Uma das razões aceitas pelo Santander para cancelar a exposição sobre diversidade sexual em Porto Alegre caiu por terra com a inspeção de dois promotores de justiça.
“Fomos examinar in loco, ver realmente quais obras que teriam conteúdo de pedofilia. Verificamos as obras e não há pedofilia”, disse o promotor da Infância e da Juventude de Porto Alegre, Júlio Almeida.
Ele viu algumas imagens que poderiam caracterizar cenas de sexo, mas isso não é crime.
Se houvesse esse entendimento, museus do mundo inteiro teriam que ser fechados.
No caso de Porto Alegre, segundo ele, se poderia pensar, no máximo, em uma classificação etária.
“Do ponto de vista criminal, não vi nada”, afirmou.
Se um promotor não viu nada, por que a gritaria de grupos levou a esse estado de coisas, com confrontos em Porto Alegre?
Não há como afastar a responsabilidade do Santander, não porque patrocinou a mostra, mas por que deu ouvidos a grupos que, confundindo sinais, buscam se promover.
Há muito tempo agem assim.
O ex-ministro da Educação Fernando Haddad já explicou dezenas, talvez centenas de vezes, que nunca houve kit gay para ser distribuído às escolas, mas até hoje continuam dizendo que havia e, para confundir a plateia, se mostra um material preparado pelo Ministério da Saúde para ser distribuído a caminhoneiros.
Não era destinado a crianças, mas a caminhoneiro, com linguagem escrachada.
Esses mesmos grupos conseguiram interditar o debate sobre ideologia de gênero.
Eu acompanhei a discussão do tema na Câmara Municipal de São Paulo, onde a proposta de tratar a ideologia de gênero como diretriz pedagógica foi rejeitada.
Não era iniciativa destinada a produzir uma fábrica gays e lésbicas nas escolas — como se isso fosse possível —, e destruir os valores da família, mas adotá-la como uma das diretrizes pedagógicas.
É um tema que, ouvi do jurista Luiz Flávio Gomes, já foi superado no mundo civilizado.
É uma forma de ampliar a visão sobre valores — do jeito que está, parece que não deu muito certo, com índices vergonhosos de violência contra mulheres, por exemplo, fruto de uma visão ideologicamente distorcida de gênero.
Acompanhei essa discussão na Câmara Municipal de São Paulo e ouvi de um vereador que votou contra a proposta:
“Parece que não é nada disso que os padres e os pastores estão falando, mas, se eu votar a favor, vou ficar mal com eles, e a gritaria é grande”, disse o parlamentar, depois de tirar fotografia ao lado de pessoas com a camiseta “Somos família”.
Agora, com o cancelamento da mostra em Porto Alegre, o medo da gritaria se repete.
É só olhar nas redes sociais para ver de onde partem os ataques.
O MBL é a linha de frente, a matilha.
Mas tem político por trás deles.
Gente que espalha mentiras como a de que, na mostra, “crianças eram vendadas e tocavam na genitálias umas das outras para terem a ‘percepção de gênero’ do coleguinha”.
Dois promotores estiveram lá e disseram: “é mentira”.
Quem espalha a mentira talvez saiba que é mentira, mas o que importa?
Esse tema rende, repercute, dá mídia.
Lamentável é o Santander, que cedeu à ignorância e ainda se desculpou, numa nota infame.
“Nós, do Santander, pedimos sinceras desculpas a todos aqueles que enxergaram o desrespeito a símbolos e crenças na exposição Queermuseu. Isso não faz parte de nossa visão de mundo, nem dos valores que pregamos. Por esse motivo, decidimos encerrar antecipadamente a mostra”.
Não é hora de se acovardar.
É hora de dizer, dizer e dizer mais uma vez: Estão mentindo.