O ataque do governo contra as Ciências Humanas deve ser resistido. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 3 de maio de 2020 às 10:59

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POR LUIS FELIPE MIGUEL

O fim das bolsas de iniciação científica para as áreas de ciências sociais, humanidades e pesquisa básica é, em si mesmo, gravíssimo.

Da forma como nosso sistema de apoio à pesquisa científica está estruturado, a IC é o ponto de partida – crucial – que faz com que vocações em potencial se tornem pesquisadores em formação.

Sofreremos de imediato um baque nos trabalhos em andamento, já que a IC é a principal forma de remuneração de assistentes de pesquisa, e um prejuízo irremediável no futuro.

O objetivo do governo – declarado – vai além. Depois de IC, serão as bolsas de mestrado, de doutorado e, enfim, todo o financiamento às áreas consideradas “inúteis”, para não dizer “perigosas”.

Num mundo em que a astronomia, a física e até a medicina estão sob ataque, é natural que ramos da ciência menos “óbvios” sejam alvo.

Para quem quer que o mundo social seja aceito como é, sem questionamento, fundado em instituições “naturais” e “eternas” como o mercado e a família patriarcal, é claro que as ciências sociais têm que ser apagadas.

Para quem julga que só tem valor o que é passível de cálculo contábil, as humanidades são sem dúvida um desperdício.

E a pobre ciência básica, que responde em primeiro lugar ao impulso tão humano de querer conhecer o mundo, sofre com a visão utilitária míope de quem, no fim das costas, deseja reduzir a ciência à tecnologia.

Ou, pior, à tal da “inovação”, palavrinha empreendedora que se infiltrou ao lado de “ciência” e de “pesquisa” – e se esforça por engoli-las.

É preciso resistir aos ataques do governo. Não bastam “apelos” a uma mudança na portaria do CNPq, muito menos as famigeradas notas de repúdio. É preciso buscar no judiciário formas de sustar a vigência da regra discriminatória. É preciso pressionar as universidades para que façam valer sua autonomia nos editais internos de concessões de bolsas.

E é preciso pensar em formas de resistência a longo prazo. Ou vamos continuar trabalhando como sempre, em condições cada vez piores, enquanto as nossas áreas de conhecimento são destruídas de forma deliberada?