O que um jornalista deve ter para fazer carreira, hoje, nas grandes organizações?
Num mundo menos imperfeito, a resposta seria: os atributos clássicos, mais familiaridade com o meio digital.
Isso significa sobretudo gosto pela leitura, capacidade de se expressar num português elegante, discernimento para distinguir a manchete da nota de pé de página e curiosidade intelectual.
Mas o mundo em que vivemos é demasiadamente imperfeito.
As qualidades clássicas não são hoje requisito para nada.
Para conquistar um lugar numa redação e, nela ascender, o jornalista tem que estar disposto a matar Lula.
Em sua conta no Twitter, Xico Sá falou exatamente isso estes dias, com enorme repercussão.
Como eu, Xico Sá não pode ser desqualificado como petista, petralha ou o que for. É, como eu, um jornalista independente. Mas não cego. Na campanha presidencial, ele bateu em retirada da Folha, depois de chegar a seu limite de tolerância diante de uma cobertura francamente enviesada.
O talento importa muito menos, nestes dias, do que a disposição de caçar Lula por que meios for, incluídas aí a calúnia e a mentira.
É um movimento que se iniciou, como era de esperar, na Veja no primeiro mandato de Lula. O que era uma chuva localizada se transformaria, com o passar dos tempos, numa tempestade generalizada.
Os primeiros símbolos dos novos tempos foram Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo. Inexpressivos em tempos normais, se tornaram pistoleiros conhecidos quando a Veja inaugurou a perseguição a Lula.
Lula fez os dois. Sem Lula os dois seriam o que sempre foram, jornalistas do segundo escalão.
Hoje há uma multidão de Mainardis e Azevedos. Um dos mais barulhentos é um quase xará de Mainardi, Diego Escosteguy, editor-chefe da Época.
Com Escosteguy, a Época se transformou numa réplica da Veja. São tantas as denúncias – Escosteguy anuncia “furos” constantemente no Twitter — que você não consegue distinguir umas das outras.
Uma das leis essenciais do jornalismo é que quando tudo é denúncia e furo nada é. Este é o caso da Época de Escosteguy.
A Época é uma revista tão incompetente que, mesmo se esforçando, não consegue bater a Veja sequer em canalhice.
Existem Mainardis extemporâneos, também. São jornalistas veteranos que, para manter o emprego, se reinventaram e passaram a atacar Lula alucinadamente.
O blogueiro do Globo Ricardo Noblat é um deles. Lula se tornou uma mania de Noblat. Esperto, ele sabe que suas chances de sobrevivência no Globo aumentam com a campanha anti-Lula.
Assim como diminuem se ele mirar em outros alvos. Em nenhuma redação você consegue imaginar a cena de um repórter chegando ao editor com uma denúncia explosiva contra Alckmin, ou Aécio, ou qualquer político expressivo do PSDB.
Os repórteres não são bobos. Sabem que serão malvistos com este tipo de coisa.
O exército anti-Lula só vai correr risco se um dia os donos das empresas chegarem à conclusão de que as pessoas contratadas para destruí-lo recebem muito dinheiro para resultados tão pífios.
Eu teria pensado nisso já, se fosse dono da Globo, ou da Abril, ou da Folha. Meritocracia é entregar resultados.
Se Lula está firme, é porque seus caçadores têm sido ineptos, de Mainardi e Azevedo a Escosteguy e Noblat, entre tantos outros.
Talvez seja esta a maior sorte de Lula: a incompetência dos recrutados para eliminá-lo.