O aviso de que teremos mais delações, agora no território minado da Abin. Por Moisés Mendes

Atualizado em 22 de outubro de 2023 às 23:03

 

Rodrigo Colli e Arthur Izicky, ex-membros da Abin. Foto: Reprodução

Quem lida com a área de inteligência conhece o poder de destruição de arapongas moralmente abalados depois de abandonados por chefias e parceiros. Os argentinos, em exemplo recente, sabem muito bem.

A Abin tem dois abandonados. Os servidores presos nas operações da Polícia Federal sobre a espionagem de inimigos de Bolsonaro, e já expulsos da corporação, são bombas que talvez não tenham detonação retardada, como aconteceu com Mauro Cid.

Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki eram funcionários de primeira linha. Não eram manés da arapongagem. Mesmo que os dois não tenham relação direta com o funcionamento criminoso do sistema espião FirstMile, no monitoramento de quem deveria ser vigiado, sabem muito sobre o que acontecia na Abin.

Não eram operadores da coisa. Envolveram-se em tentativas de venda de programas de bisbilhotagem, com inspiração no que o FirstMile fazia. Caíram porque estariam tentando ganhar dinheiro, e não porque eram serviçais do esquema.

O que importa é que os dois dizem saber o que acontecia com o uso do sistema, tanto que teriam ameaçado superiores de que contariam o que viram na Abin durante o governo de Bolsonaro.

Os servidores são acusados de tentar coagir chefias no sentido de que evitassem as demissões, depois dos inquéritos administrativos, ou abririam a boca. É o que ainda podem fazer. Perderam o emprego e não têm o suporte político de ninguém.

Só quem tem suporte mesmo, mandato de deputado e o ombro da família Bolsonaro é o delegado Alexandre Ramagem, ex-chefe deles na Abin.

O resto não tem onde se agarrar. Mas se contarem o que sabem, os dois abandonados e mais quem decidir segui-los, por vingança ou solidariedade, poderão fazer estragos.

Ramagem sabia da espionagem? Não sabia, mesmo sendo da área de inteligência? Teve envolvimento ou sabia dos planos golpistas com participação da Abin?

Ramagem pode se juntar à turma de Mauro Cid e Anderson Torres? Teremos mais um personagem relevante? Delações e investigações vão esclarecer.

Mauro Cid e Anderson Torres eram instrumentadores alcançando bisturis, pinças, celulares, whats e minutas para os líderes do golpe. Eram ajudantes do pega aquilo ali e me alcança aquilo lá.

Já a estrutura montada na Abin era o aparelho que viabilizaria o golpe também a partir do monitoramento dos movimentos dos adversários. A Abin tinha uma máquina decisiva na fábrica do golpe. Ramagem não sabia?

Alexandre Ramagem e Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

Na Argentina, os métodos e os planos dos arapongas que monitoravam Cristina Kirchner foram desvendados, logo no início do governo de Alberto Fernández, em 2020, a partir de delações dos próprios criminosos da Agência Federal de Inteligência (AFI), a Abin deles.

Uma das turmas de arapongas compartilhava suas tarefas em grupo de WhatsApp chamado Super Mario Bros, numa referência ao jogo eletrônico. Eram chefiados diretamente pelo diretor geral da AFI, Gustavo Arribas.

A nova direção da agência, Ministério Público, Congresso e Judiciário fecharam o cerco logo no início do governo. A AFI funcionava nos mesmos moldes da Abin, e logo descobriram que a estrutura paralela do Super Mario era gerida pela chefia da área de inteligência.

Também lá eles monitoravam políticos, sindicalistas, religiosos, jornalistas, artistas, advogados, mães e avós da Praça de Maio, principalmente quem tinha algum vínculo com o peronismo e o kirchnerismo. Faziam campana, acompanhavam ir e vir, grampeavam, produziam dossiês.

O cerco à espionagem perdeu força enquanto o governo peronista se enfraquecia. Os Marios de Macri foram esquecidos, e os processos abertos, inclusive contra Arribas, devem estar no fundo de gavetas.

Entre as muitas diferenças entre os casos argentino e brasileiro, está o fato de que alguns arapongas Marios eram avulsos, contratados pela AFI por empreitada, que se misturavam aos servidores da agência. Eram espiões amadores. Aqui eles são profissionais.

Mas a principal diferença, considerando-se a estrutura de comando, talvez seja essa. Arribas era famoso como empresário do mundo do futebol e negociador de jogadores, com amigos e interesses no Brasil. Teria participado até de lavagem de dinheiro de operadores da Odebrecht.

Mas Arribas era um pilantra do macrismo, sem poder político. E Ramagem é servidor público, delegado da Polícia Federal, agora deputado com mandato e imunidades e quase pré-candidato do PL à prefeitura do Rio.

Ramagem é uma aposta política pessoal de Bolsonaro e Arribas virou um traste do macrismo.

Publicado Originalmente no Blog do Moisés Mendes.
Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link