Beijos entre homens costumam ser marcantes.
O polêmico beijo de Sheik me remeteu, imediatamente, a uma obra prima da dramaturgia nacional.
“Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, trata exatamente disso – de um beijo entre homens.
Um bom e ingênuo samaritano presencia um atropelamento. Vai socorrer a vítima, um homem moribundo que lhe pede um beijo e é piedosamente atendido.
A vida do bom cidadão vira um inferno.
Um jornalista policial vê, no caso, a chance de vender muito jornal. Ele arrasta um delegado de polícia canalha para uma armação segundo a qual os dois homens do beijo fortuito eram, na verdade, amantes.
Mais para a frente, o pobre homem é acusado de assassinato, num “crime passional”.
Já era assim a imprensa, pela visão mordaz de Nelson Rodrigues.
“Não foi o primeiro beijo”, anuncia o jornal.
Não vou contar o final, e recomendo a todos que leiam a peça – em que as frases maravilhosas de Nelson Rodrigues são, propositadamente, truncadas.
A campanha desonesta do jornal se apoia na homofobia, algo que ainda vigora amplamente entre os brasileiros. Tratei disso ontem no texto sobre a maneira como Reinaldo Azevedo e seus leitores se referiram ao casal Glen Greenwald e David Miranda.
Sheik não terá, obviamente, o destino trágico do personagem de Nelson Rodrigues.
Mas, para o bem e para o mal, ficará marcado. Torcedores homofóbicos vão persegui-lo a cada jogada perdida.
Pessoas como os seguidores de Malafaia, Feliciano e Azevedo vão condená-lo pela ‘sem-vergonhice’.
Mas tenho para mim que, mesmo brincando, mesmo involuntariamente, Sheik contribuiu para a causa gay.
Por isso, merece aplausos.
De pé.
Clap, clap, clap.