O Brasil que Bolsonaro nos legou é pele e osso. Por Denise Assis

Atualizado em 22 de fevereiro de 2023 às 0:24
Pessoas pegando ossos para comer. Foto: Reprodução

Por Denise Assis

O Brasil é pele e osso. O que restou do período de quatro anos de trevas foram as fotos dos yanomamis. Crianças em posição fetal, algumas de cócoras pela falta de força para se colocarem de pé e correr pela floresta, como é da natureza delas.

Somos pele e osso na Educação, que de 2019 a 2022, sofreu no Ministério da Educação (MEC) e suas autarquias, retrocessos brutais institucionais e orçamentários. Acrescente-se a isso indícios graves de corrupção que precisam ser investigados. O descaso com a educação atingiu programas como os de alimentação escolar, construção de creches e escolas, organização curricular e ampliação do tempo integral. As poucas iniciativas adotadas foram tardias, beneficiaram um limitado número de estudantes e totalmente desconectadas das necessidades reais, como no caso da estratégia de formação de professores por meio de plataformas de educação a distância, sem coordenação nacional, sem nem sequer levar em conta a carência de muitos alunos que não possuem um celular para acompanhar aulas a distância.

Estamos pele e osso na Saúde, área em que a primeira constatação da equipe de transição foi a de que o país ainda convive com uma grave crise sanitária. Além das quase 700 mil mortes pela COVID-19, a pandemia exacerbou o quadro de deterioração do setor, quando a Constituição de 1998, definiu a saúde como direito universal e possibilitou a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) para a sua efetivação.

Desde 2016, o que houve foi uma piora generalizada em indicadores tais como a redução da taxa de coberturas vacinais, com alto risco de reintrodução de doenças como a poliomielite. Testemunhamos a queda acentuada de consultas, cirurgias, procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados pelo SUS, na atenção básica, especializada e hospitalar, atrasando o início do tratamento de doenças crônicas, tais como cânceres e doenças cardiovasculares, entre outras. E, o que é gravíssimo: o retorno de internações por desnutrição infantil provocadas pela fome. Sem falar na estagnação na trajetória de queda da mortalidade infantil e o aumento de mortes maternas.

Sim, estamos pele e osso nos direitos ao Trabalho. A situação atual do emprego reflete o descaso e a ação deliberada do governo Bolsonaro em subordinar a sua atuação à agenda ultraliberal da área econômica, aprofundar o processo de flexibilização da proteção ao trabalho, desmontar e combater a organização sindical, e coibir as práticas de negociação tripartite e diálogo social.

Cabe a Lula alterar esse quadro de degradação institucional, para que as políticas trabalhistas voltem a ter centralidade no processo de desenvolvimento do País. Isso passa pela reestruturação da área como unidade institucional autônoma, bem como pelo restabelecimento da parceria com Estados e Municípios e a reorganização de estruturas descentralizadas que compõem o sistema público de trabalho, emprego e renda, sucateadas nos últimos anos. Basta dizer que o orçamento destinado às políticas na área do trabalho foi continuamente reduzido na gestão Bolsonaro, chegando a irrisórios R$ 397 milhões, em 2022.

Somos pele e osso na Habitação. Os reflexos do desmonte no setor são percebidos no aumento em mais de 32 mil pessoas em situação de rua, somente nos últimos dois anos, totalizando mais de 178 mil pessoas que só encontram morada nas praças e marquises. Famílias inteiras sob barracas ou lonas.

Foram mais de um milhão de pessoas despejadas ou ameaçadas de despejo, durante a pandemia. Estamos pele e osso no déficit habitacional, com a falta de 5,9 milhões de domicílios. Somos todos yanomamis, ao computar mais de 5,1 milhões de domicílios em aglomerados subnormais (IBGE 2019).

Somos pele e osso na área de Mobilidade Urbana, em que a expansão dos sistemas de média e alta capacidades de transporte público foi interrompida, sem mais. Há uma crise de demanda e esgotamento do atual modelo de remuneração dos serviços pela tarifa, com sucessivos aumentos e perda da capacidade de pagamento dos usuários. Esse cenário foi agravado na pandemia: o déficit estimado entre a receita e os custos operacionais dos prestadores, no período de março/20 a junho/21, correspondeu a R$ 16,7 bilhões, nos sistemas ônibus, e R$ 12,5 bilhões, nos sistemas sobre trilhos (ANTP), ocasionando a deterioração das condições de mobilidade urbana nas cidades, com o sucateamento das infraestruturas de transporte urbano.

Somos pele e osso na Previdência Social, onde os benefícios monetários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sustentam, direta ou indiretamente, mais de 90 milhões de brasileiros e a Seguridade é fonte de renda para cerca de 140 milhões de cidadãos. Atualmente, 78% dos idosos têm nos benefícios previdenciários e no Benefício de Prestação Continuada (BPC) uma de suas principais fontes de rendimento familiar. As medidas adotadas pelo Governo Federal, a partir de 2016, ameaçam essas conquistas e colocam o novo governo atual diante do desafio de reconstruir a Seguridade Social e a Previdência Social, zerando a fila dos que aguardam o direito à aposentadoria.

Estamos esquálidos, impactados pela herança maldita de ódio, desmandos e desmantelamentos, mas esperançosos. O Brasil reage, faz alongamento além fronteira e, aqui dentro, olha para as crianças dos povos originários com humanidade e o sentimento de urgência. Nunca mais, essas fotos. Nunca mais a anemia das culturas indígenas. Nunca mais o mercúrio no sangue de nossa gente. O Brasil voltou.

Publicado originalmente em “Jornalistas pela Democracia”

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