João Goulart, reabilitado enfim, foi um presidente acidental.
Jango era vice de Jânio quando este renunciou, em 1961. Não pertenciam à mesma chapa, curiosamente. Naqueles dias, você podia votar num presidente numa chapa e num vice numa outra.
Jango, uma espécie de filho de Getúlio, teve mais votos que o vice de Jânio, Mílton Campos.
O vínculo com Getúlio, e portanto com o sindicalismo, fez de Jango um objeto imediato de sabotagem da direita brasileira.
Jango estava em visita à China quando Jânio renunciou, provavelmente com o objeto de voltar com mais força.
Os militares tramaram para que ele não assumisse. Não conseguiram isso. Mas deram um jeito de diminuir-lhe o poder. Impuseram um regime parlamentarista que cortava as unhas de Jango no poder.
A gambiarra não funcionou, e em 1963 um plebiscito devolveu a Jango os poderes do regime presidencialista.
Recrudesceu então a caça direitista que culminaria em sua deposição, em abril de 1964.
Jango tinha contra ele muita coisa: a elite civil, ciosa da preservação de privilégios que o presidente pretendia reduzir com ações como uma reforma agrária e um aumento no imposto dos ricos. A imprensa, sempre ela, na vanguarda do atraso, agredia-o selvagemente: Lacerda, os Mesquitas, Roberto Marinho estavam na primeira fila entre os golpistas.
Militares anticomunistas viam nele um fantasma a ser abatido. E, se não bastasse isso tudo, os Estados Unidos queriam repetir no Brasil o que já tinham feito na Guatemala, nos anos 1950: derrubar um governo popular e colocar gente subserseviente a seus interesses econômicos.
Tudo isso foi demais para Jango.
No final de março de 1964, ele soube que unidades do Exército estavam marchando para o Rio, então sede do governo, para depô-lo.
Como último recurso, ele ligou para o general Amaury Kruel, chefe do Exército em São Paulo. Se São Paulo não aderisse ao levante, este fracassaria.
A conversa que Jango e Kruel travaram mostra a integridade da alma de Jango. Kruel disse que ficaria a seu lado desde que ele rompesse com a CGT, central sindical.
Jango disse que isso, romper com os sindicatos, ele jamais faria. Ali ele acabava como presidente.
Assessores seus como Darcy Ribeiro queriam que ele resistisse. Seu cunhado Leonel Brizola também insistia na resistência.
Jango achou que, sem apoio militar, haveria uma carnificina. Monitorado por espiões americanos, foi visto se encaminhando no carro presidencial para o aeroporto. Mas no meio do caminho voltou ao Palácio das Laranjeiras.
Depois, acabou indo para o aeroporto. Voou para Brasília, mas sem que a viagem tivesse nenhuma consequência prática. De lá, nos primeiros dias de abril, partiu para o Uruguai, um destino comum, então, para perseguidos políticos.
Era um homem discreto. Um tombo de cavalo tornara-o manco. Chamava particularmente a atenção quando estava acompanhado de sua mulher, Maria Thereza, provavelmente a mais linda primeira dama da história do Brasil. A renúncia de Jango não impediu que jorrasse sangue numa ditadura que acabaria durando mais de vinte anos.
É curioso notar como agiram personagens que posteriormente, e ainda agora, teriam imenso relevo.
Em seu excelente livro De Castelo a Tancredo, o brasilianista Thomas Skidmore fala extensamente de Delfim. Delfim, jovem prodígio na época do golpe, seria o grande nome da economia na ditadura e depois se tornaria um interlocutor contumaz de Lula.
Delfim disse, pouco tempo depois da queda de Jango, que a “Revolução” – como a direita chamava o golpe – fora uma “unanimidade nacional”. O povo, segundo Delfim, clamava pela queda de Jango. Roberto Marinho, no Globo, repetiria isso exaustivamente.
Pobre povo, usado tão desonestamente para justificar horrores como a ditadura militar brasileira. Pobre Jango, escorraçado do poder por forças interessadas em manter esse povo sob uma coleira – ao mesmo tempo em que acumula moedas, e moedas, e moedas.