“O caminho do Brasil não é o caminho do anticomunismo”, diz Dilma ao receber honraria na China

Atualizado em 10 de outubro de 2024 às 9:30
Entrevista com a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, na Casa de Hóspedes do Estado Diaoyutai. Foto: Mauro Ramos

Em entrevista a jornalistas das mídias brasileiras presentes em Pequim, na China, a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma Rousseff, afirmou, ao ser questionada sobre o avanço do anticomunismo e o crescimento da extrema direita, que “o caminho do Brasil não é o caminho do anticomunismo”. A ex-presidenta do Brasil recebeu, em 29 de setembro, a mais alta honraria concedida pela República Popular da China, a Medalha da Amizade:

(…) Como você está vendo o avanço do anticomunismo e o crescimento da extrema direita?

O Brasil tem que ter cuidado. Todo o esquema anti-comunista clássico dos anos 50, acabou. Ninguém pode viver baseado na visão, da Guerra Fria. O Brasil tinha um anticomunismo precário, se considerou que o nosso presidente João Goulart era um comunista empedernido e ele foi retirado do poder.

Eu respeito o Partido Comunista da China, mas não acho que por conta disso o Brasil tem que ser comunista. A China fala o seguinte: tem um caminho especificamente chinês. O Brasil tem de ter um caminho propriamente brasileiro. Agora, esse caminho brasileiro não é o caminho do anticomunismo.

Não é o caminho da visão da Guerra Fria, isso não pode mais na América Latina, não pode mais o que aconteceu no Chile, na Argentina, Brasil e Uruguai. Eu respeito o que eles construíram aqui nos últimos 75 anos, um país do qual eles devem se orgulhar.

Acho que os meios de comunicação não devem incentivar isto. O Brasil hoje tá numa situação muito parecida com o que está ocorrendo também nos Estados Unidos.  O crescimento da extrema direita no mundo decorre também de um certo tipo de visão… “se você ganhar, eu perco”. Essa essa visão que é chamada soma zero é muito ruim. Essa é a visão também da velha Guerra Fria, de que tem um comunista escondido atrás de todo arbusto. Aqui não tem um comunista escondido atrás de todo arbusto, tem um país que mistura pensamento marxista e toda a civilização de 5 mil anos.

Porque é que é que dão tanta importância à educação? É a mesma coisa que aconteceu no Japão. O Japão importou muita coisa da China, e lá no Japão também o Confúcio é a base de você ter essa valorização imensa da educação. A China é isso.

Não dá para aplicar nenhum modelo ao Brasil se não entendermos que temos a nossa parte ruim também: nós tivemos escravidão. Eu sempre digo o seguinte, eu sou de 1947, você considera que o senhor imperador Pedro Segundo era anti-escravista e a República Nova um pouco saudosa da escravidão. Então, a República Velha é uma república que não deu garantias fundamentais, quando libertou os escravos.

Considero que 1930 foi um marco. O fim da escravidão se completa com 1930, quando os direitos dos trabalhadores são reconhecidos. Eu nasci 17 anos depois. Eu sei tudo que tem ainda de preconceito contra a escravidão que tem no nosso país, quanto por exemplo aquilo que muitas vezes o presidente Lula falou: o pessoal não podia viajar de avião, porque quem viajava de avião era a classe média.

Nós temos de trabalhar a nossa vida e do nosso jeito. E essa história… todo mundo que prega essa mentalidade da Guerra Fria ou anticomunismo antigo, tem outros interesses, querido. Não acredito que você andando numa rua de Xangai você acha que comunista come criancinha, não acredito.