Nos últimos dias, repercutiu a reportagem da revista Piauí sobre o suicídio cometido por um estudante bolsista do Colégio Bandeirantes, em São Paulo.
Parte da polêmica diz respeito à velha questão relativa a noticiar ou não casos de suicídio. Como se sabe, os estudos mostram que a visibilidade dada a um episódio assim pode estimular que outras pessoas tirem a própria vida.
Mas isso não quer dizer que qualquer notícia envolvendo um suicídio deva ser evitada; por vezes, há interesse público a ser considerado. A Piauí afirma que seguiu todas as regras, não publicando foto da vítima, não descrevendo o método, não reproduzindo o bilhete de despedida etc.
A outra questão é sobre o estatuto dos estudantes bolsistas em colégios de elite, como o próprio Bandeirantes. A visão da reportagem é que o estudante decidiu se matar por não suportar o bullying que sofria, sendo pobre, negro e gay num ambiente de riquinhos cujas famílias pagam R$ 4.500 de mensalidade.
A escola nega essa interpretação. Imagino que, de fato, a questão seja complexa e não admita uma resposta monocausal. Mas a situação de um menino pobre jogado num ambiente de burgueses corresponde bem de perto às circunstâncias daquilo que Durkheim, em seu estudo clássico, descrevia como “suicídio anômico”.
A Folha de ontem publicou reportagem sobre os problemas de estudantes bolsistas nessas escolas privadas caras. Em algumas, os bolsistas são simplesmente segregados: estudam à noite, usam uniformes especiais que os identificam e não podem frequentar as instalações durante o dia. Ou, então, são alocados em unidades diferentes, exclusivas para eles.
Eu me pergunto o que lhes é oferecido, uma vez que não terão as mesmas aulas, nem os mesmos professores, nem mesmo os contatos com os filhos da elite, que é uma das vantagens importantes de frequentar esse tipo de estabelecimento – você se forma e logo depois tem seu colega como dono de empresa, advogado de banca importante, político, em suma, alguém capaz de abrir portas.
Descobri, lendo a reportagem, que muitos desses bolsistas na verdade nem bolsistas são. Eles têm as mensalidades pagas por ONGs dedicadas a colocar crianças pobres em escolas caras. Ou seja, são alunos pagantes. A discriminação não se dá por serem bolsistas, mas por serem pobres.
Os beneficiários são selecionados em processos complicados, que envolvem muitas etapas. Parece-me que, no fundo, a ideia é permitir que a burguesia coopte as melhores mentes entre os filhos das classes trabalhadoras.
Mas os outros estudantes não colaboram. Imbuídos de preconceito de classe, de racismo e da arrogância que, na sociedade em que vivemos, é atributo dos privilegiados, eles excluem os pobres, diferentes pela origem familiar, local de moradia, padrão de consumo e, em geral, cor da pele.
A reportagem entrevista um rapaz que, segundo está escrito, faz parte de “uma organização sem fins lucrativos que luta pela redução das desigualdades socioeconômicas a partir da democratização da educação particular”.
É uma ideia bizarra. A educação particular é, por sua própria natureza, uma promotora de desigualdades.
Por que montar uma ONG para colocar um punhado de garotos pobres em escolas de ricos, em vez de defender uma educação pública de qualidade para todos? A resposta é clara: para alimentar a ideologia da meritocracia.
A escola pública é a grande instituição republicana. No Brasil, a ditadura militar tomou a si a tarefa de destruí-la, chegando ao ponto em que “educação privada” passou a ser identificada com “educação de qualidade” (embora muitas vezes não seja o caso).
A classe média foi empurrada para a escola privada pela decadência das instalações, pela carência de pessoal, pelas greves constantes a que os trabalhadores da educação são empurrados diante da desvalorização que sofrem.
Já que simplesmente estatizar todo o sistema educacional parece fora do alcance, há medidas que podem ser tomadas, que passam pela efetiva prioridade na educação, com investimento real, e também pelo fim do subsídio público ao sistema privado (que começa com o abatimento das mensalidades no imposto de renda), carreando esses recursos para as escolas públicas.
E se queremos “diversidade” nos colégios de elite, também é simples. Obrigatoriamente metade de cada turma deve ser composta por estudantes que não pagam, selecionados por sorteio. Daí ninguém sofre bullying por ser um estranho no ninho e a mesma educação é oferecida para todos.
Como se sustenta isso? Simples também. Dobra a mensalidade dos pagantes. Quem não puder pagar R$ 9 mil em vez de R$ 4,5 mil não deve ser elite o suficiente…
Originalmente publicado no Facebook do autor