O caso Felipe Neto mostra a má fé de equiparar o petismo ao bolsonarismo fascista. Por Nathalí

Atualizado em 17 de setembro de 2019 às 9:01
Felipe Neto

Um fenômeno do YouTube.

Lá no início dos anos 10, só um homem-branco-cis-hétero típico, com tudo no pacote: piada machista, pensamento liberal, uma pitadinha de racismo e aquela transfobia pra temperar. 

A militância sempre teve boas razões pra odiar Felipe Neto.

E a recíproca, convenhamos, é verdadeira. Gente como Felipe Neto detesta cirandeiro.

Detesta Lula Livre, a Une, o PT, jornal, praia, tobogã. Na verdade, gente como Felipe Neto jamais estaria do nosso lado se a situação não fosse da maior gravidade, como é o caso.

Na verdade, também, talvez não se trate sequer de assumir um lado – à esquerda ou à direita. Talvez trate-se apenas de fazer o que se acha certo quando o momento exige. 

Comprar mais de quatorze mil livros censurados na Bienal e distribuí-los gratuitamente foi apenas mais uma das atitudes louváveis do youtuber nos últimos tempos – até psicoterapia pra MC Melody o cara pagou. 

E agir de acordo às próprias convicções, muitas vezes, custa caro.

Felipe Neto, que sempre foi o queridinho da internet, vem sofrendo represálias por tentar combater a censura no Rio: uma escola particular distribuiu um bilhete solicitando que os pais policiem o conteúdo que seus filhos consomem na internet, citando o exemplo dos irmãos Neto.

No Twitter, muitos pais consideraram-no “má influência”. 

Felipe cancelou sua participação num evento após sofrer ameaças contra a sua vida e a da sua família, como diz um comunicado enviado por sua equipe. A palestra aconteceria na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro.

“As ameaças se intensificaram e estamos montando um documento para dar entrada na polícia. Já tirei minha mãe do Brasil e estou vivendo com o mínimo possível de exposição. Manterei vocês sempre informados”, escreveu no Twitter.

Enquanto fazia piada machista e transfóbica na internet, ele era uma ótima opção para nossas crianças e adolescentes. Agora que busca combater a homofobia e a censura, é má influência.

Eis o retrato claríssimo de como funciona a cabeça do conservador brasileiro. 

Ciente da responsabilidade de ser um influenciador de mais de 25 milhões de crianças e adolescentes, o YouTuber postou um video em seu Instagram onde se dirigia aos pais, defendendo-se dos ataques e apontando, basicamente, que combater a homofobia não é incentivar a homossexualidade, e que lutar contra o conservadorismo é um dever de todo mundo. 

Felipe Neto nunca foi de esquerda. Talvez nunca seja.

Mas faz concessões pra defender o que acredita – e aceita inclusive ser considerado de esquerda pela parcela mais conservadora dos brasileiros, o que, acredite, pra muita gente – principalmente gente como ele – é uma ofensa. 

Se ele faz isso pra defender o que acredita ou pra ganhar biscoitos, pouco importa: ele faz, e, neste momento, a gente não tá em condições de escolher.