Como se sabe, generais da reserva não têm o comando das tropas e, por isso, seus comentários na rede social devem ser interpretados pelo que são: a manifestação de cidadãos comuns.
Como cidadãos comuns, no entanto, eles deveriam ter a prudência de afastar qualquer impressão de que, ao falarem, estariam ecoando a voz das casernas. Mas não é assim.
Eles fazem questão de ostentar a patente para dar peso às suas manifestações. É o caso de Paulo Chagas, ou general Paulo Chagas, como se apresenta.
Ele está há doze anos na reserva, mas continua falando como ainda estivesse na ativa. Com o título de general, tentou ser governador do Distrito Federal, nas últimas eleições, mas foi rejeitado pelo eleitor.
Hoje, ele voltou ao Twitter, a trincheira destes senhores, para fazer nova ameaça velada ao Supremo Tribunal Federal e passar a impressão de falava em nome dos brasileiros.
“A composição do STF não mudou e, por óbvio, as suas decisões tendem a continuar apartadas do q os brasileiros esperam da magistratura, guardo, no entanto, a esperança de q no dia 25 de junho não lhes falte, pelo menos, o bom senso para deixar LULA NA CADEIA, o seu devido lugar!!”, disse.
O quanto Paulo Chagas conhece da Constituição Federal e das leis, não se sabe. Mas o vocabulário que usa, o de balcão de botequim, da escola do general Heleno, o descredencia para dar palpite numa área que não é sua.
O posto mais destacado que ocupou, quando na ativa, foi chefiar o Gabinete do Estado-Maior do Exército (EME).
Opinião abalizada tem o professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro Geraldo Prado, que já participou de bancas examinadores para concurso de magistratura e é do Centro de Investigações em Direito Penal e Ciências Criminais da Universidade de Lisboa. Em artigo publicado na coluna de Fausto Macedo no Estadão, ele disse que:
Não é verdadeira a alegação de que a tradição autoriza relações juridicamente promíscuas entre juiz e acusador. A regras legais não autorizam, antes proíbem, juízes de interferir na preparação da futura acusação, sugerir estratégias à acusação contra o réu,
Escreveu também:
Atitudes dessa ordem, flagrantemente ilegais, que violam a regra canônica da imparcialidade do julgador, da integridade do processo, da independência do Ministério Público e da impessoalidade na atuação dos seus membros, levam à nulidade de condenações que hajam sido proferidas.
Ou seja: a condenação de Lula deve ser anulada.
O professor também afirmou:
Poder não é algo que alguém tenha. As pessoas exercem o poder temporariamente, não se tornam donas dele para sempre. (…) A Constituição não deve valer apenas enquanto é útil para nos defender. Ela deve valer o tempo todo, em relação a todas as pessoas. Caberá ao STF assegurar isso. Se são verdadeiros os boatos de que há militares contrários à aplicação da Constituição, algo em que não acredito, apenas resta dizer que… já passamos dessa fase.
A defesa do ex-presidente Lula aguarda a conclusão do julgamento do HC sobre a parcialidade de Sergio Moro desde dezembro, quando Edson Fachin, da segunda turma do STF, votou para negá-lo.
Cármem Lúcia acompanhou seu voto, e Gilmar Mendes interrompeu o julgamento com um pedido de vistas.
Há cerca de duas semanas, depois que a parcialidade de Moro se tornou escancarada com a divulgação de suas conversas secretas com Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima, Gilmar Mendes devolveu o HC para julgamento.
A ação poderia ter sido julgada na terça-feira da semana passada, mas foi relacionada na pauta desta terça-feira, dia 25, quando Cármem Lúcia estréia como presidente, sucedendo a Ricardo Lewandowski.
Alem de Gilmar Mendes e de Lewandowski, falta votar Celso de Mello. Portanto, o resultado poderá ser de 3 votos 2 em favor do pedido da defesa de Lula.
Tudo indica que será mesmo esse o resultado, considerando-se a posição dos três ministros quanto ao tema da isenção de um magistrado. Em outros casos, Celso de Mello já criticou Moro pela parcialidade.
É o que explica o avanço dos generais sobre a cúpula do Poder Judiciário. Na terça-feira, se Cármem Lúcia não adotar alguma manobra para impedir o julgamento, o STF terá a oportunidade de dar ao Brasil exemplo de independência e soberania.
Sem essas qualidades, a corte constitucional não se justifica e, sem ela, o Brasil não pode ser considerado um estado democrático de direito.