Publicado no Justificando.
Em sessão realizada nesta terça, 29, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reformou a decisão de punição de censura aplicada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) à juíza Kenarik Boujikian, que concedeu liberdade a 11 presos provisórios que cumpriam pena há mais tempo do que foi fixado em suas sentenças, sem antes consultar a Câmara Criminal. A corte entendeu que não houve qualquer má conduta por parte da magistrada, bem como considerou que o tribunal paulista errou na decisão. A decisão é tida como uma grande vitória de todos os movimentos sociais e entidades de classe que se mobilizaram pela independência judicial.
De início, dois conselheiros se declararam suspeitos para atuar no caso, uma vez que compõem originalmente quadros do Judiciário Paulista. Nesse sentido, Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior, Procurador de Justiça do MPE/SP, e Bruno Ronchetti de Castro, Juiz de Direito do TJSP, afastaram-se do julgamento do caso.
Em seguida, passou-se ao voto do relator do caso, o conselheiro Carlos Levenhagen, que originalmente é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o qual votou pela confirmação da punição à magistrada. Para ele, a juíza – que soltou presos que estavam na cadeia, embora já tivessem cumprido a pena – “não atuou com zelo”. Para ele, “o órgão [TJSP] atuou dentro e da sua legítima competência” e a magistrada teve “falta de tato” com o desembargador revisor.
A divergência foi aberta após o voto do relator. O conselheiro Gustavo Tadeu Alkmim, originalmente desembargador no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região foi o primeiro a votar pela absolvição da magistrada. Em seguida, João Otávio Noronha, o qual, além de conselheiro, é Corregedor Nacional de Justiça e Ministro do Superior Tribunal de Justiça resumiu o sentimento de quem se mobilizou em repúdio à punição: “O TJ-SP agiu mal. Não agiu bem. E por que não agiu bem? Porque ele arruma uma desculpa estapafúrdia para censurar ao fundo e ao cabo a decisão meritória da juíza”.
A partir da divergência, os demais conselheiros pediram a palavra para absolver a magistrada, bem como fazer duras críticas ao Tribunal de Justiça de São Paulo, pela censura à independência da magistrada. A presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministra Carmen Lúcia, também votou pela absolvição da magistrada.
Quando o placar estava 8×1 e não havia mais chances de condenação, a emoção tomou conta das pessoas que acompanharam o julgamento, incluindo a própria magistrada, que estava presente na sessão.
O caso
Kenarik foi processada por seus pares após determinar a expedição de alvarás de solturas a 10 presos que estavam encarcerados além do tempo disposto na sentença. A decisão de Kenarik, no entanto, é tida como legítima pela imensa maioria de juristas que acompanham o caso. Além disso, o processo conta com parecer favorável à magistrada do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, que afirmou que a juíza mais do que amparada pela lei, “agiu na defesa dos direitos dos réus, mesmo que de forma a contrariar a jurisprudência da Corte estadual”.
A magistrada é uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia (AJD), instituição que presidiu duas vezes, e ficou conhecida por atuar no caso do médico Roger Abdelmassih. Conhecida amplamente reconhecida no meio jurídico, a juíza tem recebido uma série de apoio desde o início do caso. A condenação caracteriza um dos mais emblemáticos casos sobre a independência judicial.
Ao Justificando, a juíza considerou a punição gravíssima: “tenho 27 anos de carreira e, nessa altura do campeonato, receber uma pena é triste. Eu nunca vi nenhum juiz receber tanta solidariedade e gestos de carinhos e isso é uma das coisas mais fantásticas que descobri. Me fortaleceu demais“.
Assista ao “Coisas que você precisa saber” sobre o caso: