O Congresso pode saber o que os arapongas de Bolsonaro andam fazendo. Por Moisés Mendes

Atualizado em 28 de julho de 2020 às 9:51
Jair Bolsonaro. Foto: EVARISTO SA/AFP

Se olharmos com atenção para as investigações que acontecem agora na Argentina, teremos alguns sinais de semelhanças – que não ocorrem por acaso – com as atuais suspeitas de ilegalidades no Brasil na área da arapongagem.

Autoridades argentinas andam atrás de um personagem do esquema clandestino de espionagem montado por Maurício Macri, para que conte o que sabe do grupo que perseguiu líderes da esquerda e jornalistas argentinos durante os quatro anos de governo.

O sujeito é o ex-diretor jurídico da Agência Federal de Inteligência (AFI) Juan Sebastián De Stéfano, que aparece com Macri na foto do jornal El Destape. Mas não é procurado pela polícia, nem pelo Ministério Público ou pelo juiz federal que cuida do caso.

Quem tenta fazer com que De Stéfano apresente-se e deponha é a Comissão Bicameral de Acompanhamento dos Organismos de Inteligência do Congresso. Senadores e deputados têm a prerrogativa do controle externo das atividades da área de inteligência do governo.

A comissão tem sido protagonista no esforço para que Ministério Público e Justiça desvendem o esquema de espionagem ilegal que agia dentro da AFI por ordem de Macri.

Muitos dos delatores, que indicaram comparsas do grupo clandestino, depuseram à comissão. De Stéfano foi convocado, negou-se a depor e pode ser preso. Mais de 20 arapongas já foram encarcerados.

O Brasil precisa saber, nesse momento em que a arapongagem de Bolsonaro faz dossiês de inimigos antifascistas, que o Congresso também tem, desde 1999, uma Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI). Segue o mesmo modelo básico da composição da comissão argentina, com senadores (seis) e deputado federais (também seis).

A função das comissões, lá e aqui, é a mesma: acompanhar as ações dos órgãos de inteligência, com poder de confrontar suas atividades com o que determina a Constituição.

A comissão brasileira – como informa o site oficial – faz “o controle externo das ações de Inteligência, de Contrainteligência e de outras a elas relacionadas, desenvolvidas no Brasil e no exterior”.

Quem entrar no site, com link no pé desse texto, faz algumas descobertas interessantes. Essa é uma delas: o grupo de 12 parlamentares, presidido pelo senador Nelsinho Trad, do PSD do Mato Grosso do Sul, parece ser inoperante.

Diz o site que “a CCAI se reúne periodicamente e tem autonomia para convocar os dirigentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e de outros órgãos e entidades da Administração Pública Federal, especialmente os componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), para prestarem informações sobre sua atuação”.

O que significa reunir-se periodicamente, se a última reunião com arquivo disponível no site é de uma audiência pública de 19 de outubro de 2017 com o general Sergio Westphalen Etchegoyen, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República?

O último arquivo de relatório de atividades que aparece no site é de 2015. A comissão poderia estar sem nada para fazer, nos últimos anos, mas tem agora o imbróglio do dossiê com os nomes de 579 servidores federais e estaduais identificados como antifascistas, elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça.

São muitas as suspeitas de que a Seopi atua ilegalmente, não por ser um órgão até agora quase desconhecido e empoderado por Bolsonaro como parte do sistema de inteligência, mas por aparecer como uma espécie de polícia política do governo.

Parlamentares da Rede Sustentabilidade pediram que o Supremo investigue o dossiê e a legalidade das ações da Seopi, denunciadas na semana passada em reportagem do jornalista Rubens Valente, do UOL.

Mas a comissão mista do Congresso também pode agir, porque este é o seu objetivo: assegurar que as atividades dos organismos de inteligência “estejam em conformidade com a Constituição Federal e com as normas do ordenamento jurídico nacional”.

O senador Randolfe Rodrigues, da Rede, faz parte da comissão e poderia mobilizar o grupo para que autoridades do setor sejam ouvidas. Um colega de Randolfe no grupo pode ajudar. O vice-presidente da comissão é o deputado Eduardo Bolsonaro.