Ano de eleições e as coisas por aqui andam tão absurdas que a última semana foi marcada por – pasmem – declarações antiviolência vindas do presidente Jair Bolsonaro.
O futuro ex-presidente declarou à imprensa (a mesma que desprezava quando não estava interessado em se reeleger), que “dispensa apoio de quem pratica violência contra opositores”, referindo-se ao homicídio do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo Aloizio de Arruda, durante sua própria festa de aniversário.
“A esse tipo de gente, peço que por coerência mude de lado e apoie a esquerda, que acumula um histórico inegável de episódios violentos”, completou o cara de pau.
Perdi alguma coisa?
Esse é o mesmo Bolsonaro que ameaçou “fuzilar” petistas e chamou a deputada Maria do Rosário de vagabunda, ameaçando-a diante das câmeras? O mesmo que jogou uma casca de banana no plenário do Supremo? O mesmo que xingou uma repórter de idiota e analfabeta?
Será que estamos falando da mesma criatura que disse ser preconceituoso “com muito orgulho” – sim, isso é violência – e que as minorias deviam se curvar às maiorias? O mesmo que disse que se visse dois homens se beijando na rua, bateria neles?
São tantos os episódios de violência e incitação à violência, que nós ficaríamos aqui o dia inteiro e ainda não daríamos conta de todos.
Quando Bolsonaro diz que ele e sua direita conservadora não pregam violência, é como dizer que não faz calor no Rio de Janeiro, ou que em Salvador não tem acarajé. A direita brasileira não prega violência: ela é a violência, e faz questão de fazer da violência uma estética – de péssimo gosto, como todo o resto.
Eduardo Bolsonaro, por exemplo, comemorou recentemente o próprio aniversário com um bolo com tema de arma e munições. A foto postada pela esposa, Heloísa Bolsonaro, mostra a filha do casal assoprando a velinha de um bolo de pistola (da série: coitada da criança).
É: como temos dito, a crise é também estética. Pensar em armas e munições como ornamentos é sintoma de uma personalidade extremamente violenta, e quem sabe se não sociopata.
Nenhum de nós precisou rebater as declarações de Bolsonaro de que a direita não é violenta – isso está diante dos olhos de todos, e seu próprio filho fez questão de vir a público confirmar, com um bolo horroroso que traduz a celebração à barbárie, característica mais marcante da família Bolsonaro e dos bolsonaristas.
É, sobretudo, de uma cara de pau abissal que qualquer membro da família Bolsonaro – e que qualquer bolsonarista, mesmo – negue a violência que o formou. Bolsonaro subestima a inteligência de seus próprios eleitores quando diz que a violência vem “do lado de lá” – porque foi ele quem pôs na mão de uma criança um gesto de arminha.
O que ajudou a eleger Bolsonaro – e transformar a vida dos brasileiros em um verdadeiro inferno – foi seu discurso de ódio, abraçado por uma classe merda inflamada e incomodada com os direitos conquistados pelas classes mais baixas.
Agora, a estratégia desesperada diante da volta de Lula é negar esse discurso, que ainda vaza por todas as frestas – até pelo bolo de aniversário brega de seu filho – para tentar a reeleição.
Essa estratégia, entretanto, será ineficaz, e o tiro sairá pela culatra: essa classe média escravocrata e que tem horror a pobre e adoração por armas nunca quis apenas uma alternativa a Lula: eles querem ódio e violência. Se o bolsonarismo lhes nega isso, não sobra nada.
A única alternativa digna para Bozo é ser leal a si mesmo, assumir o que sempre foi e abraçar a própria mediocridade – mas isso exige hombridade, coisa que o futuro ex-presidente desconhece.
De toda sorte, seus eleitores não esquecerão do ódio que os formou – menos ainda seus opositores se deixarão enganar. A única coisa que Bolsonaro conseguirá negando a violência que sempre pregou é tornar-se – se é que isso é possível – uma criatura ainda mais desprezível.