O presidente interino tem cavado a própria cova. Quanto mais tenta melhorar sua imagem, mais fundo cava.
Sua última investida no ofício de nos convencer de que ele é realmente o retrato do atraso foi dizer que as mulheres deveriam aposentar-se mais cedo que os homens porque “a mulher faz o trabalho interno na sua casa.”
Depois de anunciar um Ministério de homens brancos, é compreensível que Temer queira limpar a própria barra.
Alguém deve ter tido a infelicidade de convencê-lo que declarar que não concorda com a mudança na regra previdenciária que equipara as idades para homens e mulheres se aposentarem seria uma boa ideia, mas isso só serviu para ratificar que o presidente interino não sabe nada a respeito de promoção da igualdade de gêneros.
Muitas mulheres, de fato, enfrentam jornadas triplas: trabalham fora, muitas vezes para proverem sozinhas o sustento de filhos abandonados pelos pais, cuidam da casa, porque as tarefas domésticas ainda são tidas como exclusivamente femininas, e cuidam ainda da própria aparência, porque precisam ser (além de boas funcionárias, boas mães e boas donas de casa) esteticamente impecáveis, uma preocupação não tão imposta aos homens.
Dito isto, a nova regra previdenciária que equipara a idade de aposentadoria de homens e mulheres é, de fato, ultrajante, ao menos até que se modifique a cultura segundo a qual a mulher tem obrigações infinitamente maiores que o homem durante toda a sua vida.
Mas, no que depender de homens como Michel Temer, essa cultura não se modificará tão cedo.
No mundo das “belas, recatadas e do lar” em que vive o interino, as mulheres chegam em casa e preparam a sopa de seus maridos, dão-lhe massagem nos pés e perguntam: “Como foi o seu dia, querido?”
Neste mundo horrendo, um pai que troque as fraldas do seu filho é tido como herói e mulheres fazem faxina em seus dias de folga enquanto seus maridos assistem futebol.
Mas no mundo real, ao qual Temer parece estar alheio, o “trabalho interno” de uma casa compete a todos os moradores.
As mulheres brasileiras não precisam de favores institucionais, precisam de igualdade. Não queremos pagar menos em ingressos de shows e eventos, queremos salários equiparados aos masculinos; não queremos deixar mais cedo o mercado de trabalho, queremos uma profunda mudança de consciência que convença homens como Michel Temer de que não é justo que tenhamos jornadas triplas apenas porque nascemos com uma vagina.
Enquanto essa mudança de consciência não chega, as leis de nosso país, inclusive as leis previdenciárias, não devem nos violentar. Mas mesmo a coisa certa deixa de ser certa quanto defendida pelas razões erradas.