Karina Biondi, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos, ganhou prêmio nos EUA de melhor livro de 2017 da Associação para a Antropologia Política e Jurídica (APLA, na sigla em inglês), ligada à Associação Americana de Antropologia (AAA), fundada em 1902.
A obra se chama “Sharing This Walk: An Ethnography of Prison Life and the PCC in Brazil” (“Compartilhando esse caminho: uma etnografia da vida na prisão e o PCC no Brasil”, em tradução livre).
Em seu discurso de agradecimento, publicado no site da organização, ela agradeceu “a expansão do ensino e pesquisa no Brasil promovido pelo Governo Lula” e bateu em Temer.
“Os investimentos na educação e pesquisa sofreram grandes cortes, as universidades estão vivendo sérias crises financeiras”, diz.
Eis o discurso de Karina:
Boa tarde! Em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas por não poder estar presente nesta reunião para receber o prêmio pessoalmente. A despeito de minha ausência, vocês não imaginam a felicidade que estou sentindo.
Eu não chegaria sozinha aqui. Por outro lado, é impossível listar todas as pessoas que cooperaram para que o livro se tornasse uma realidade. Gostaria, contudo, de expressar meus mais profundos agradecimentos ao Professor John Collins, que além de tradutor do livro foi grande incentivador e o maior responsável pela sua realização Agradeço igualmente à editora UNC Press e aos colegas que subscreveram cartas de recomendação para a tradução do livro: Professores Magnus Course, Desmond Arias, e Sean Mitchell.
Finalmente, não posso deixar de agradecer ao professor Jorge Villela, que além de ter sido meu orientador e parceiro de reflexões, me imaginou onde eu mesma nunca havia me imaginado. Foi ele, inclusive, quem apresentou o livro ao Prof. Collins.
Este prêmio representa o reconhecimento não só dos anos de trabalho, esforço, sacrifício e dedicação. Ele diz muito mais. O fato desse prêmio ser entregue a uma brasileira, mulher e jovem pesquisadora mostra o sucesso de algumas políticas, tanto de políticas acadêmicas quanto de políticas de Estado.
Isso é fruto de um investimento que vem sendo feito há muitos anos e de forma bastante intensa por muitos pesquisadores que lutam não só contra as heranças do colonialismo quanto contra práticas colonialistas que, por sua vez, não estão restritas a países do hemisfério norte.
Encontramos no Brasil, por exemplo, posturas do tipo colonialistas, que dividem o mundo em dois tipos de lugares: aqueles onde se realiza a pesquisa de campo e os outros, privilegiados, onde se faz antropologia. Isso é replicado para o campo da política Estatal, que até há pouco mais de uma década promovia a concentração da produção acadêmica em poucos centros de pesquisa.
Se essa política ainda operasse, provavelmente eu não estaria aqui. Foi a expansão do ensino e pesquisa no Brasil promovido pelo Governo Lula que criou as condições de possibilidade para que eu ingressasse em uma pós-graduação ainda recém-criada, fora dos tradicionais centros de pesquisa. Ali, na Universidade Federal de São Carlos, tive um ambiente perfeito para minha formação.
Entre jovens professores, que misturavam rigor e frescor, tive liberdade e incentivo para ousar. No campo social e da política estatal, ousar ser doutora. No campo acadêmico, ousar desafiar, a partir de meu material etnográfico, algumas ideias consolidadas na antropologia.
Infelizmente, essas condições de possibilidade que tornaram este prêmio possível estão neste exato momento ameaçadas. As políticas implementadas nos anos Lula estão sendo rapidamente desmontadas pelos atores políticos que cooperaram para o golpe de Estado ocorrido no Brasil no ano passado.
Os investimentos na educação e pesquisa sofreram grandes cortes, as universidades estão vivendo sérias crises financeiras. E essa conjuntura é o principal motivo pelo qual não pude estar presente aqui para receber o prêmio (pelo que novamente peço desculpas).
Ainda assim, estamos na luta, lá no Brasil, para defender o que conquistamos e para tentar evitar a volta daquele modelo colonialista que concentra em poucos centros de pesquisa a prerrogativa de fazer ciência, relegando aos demais o papel de lugares a serem estudados.
Ao mesmo tempo, em outra escala, continuamos também na luta para que não sejamos vistos somente como fornecedores de matéria prima para o trabalho intelectual, mas que possamos traçar verdadeiros debates teóricos com nossos colegas do hemisfério norte.
Acho que esse prêmio é uma demonstração de vitória de todos aqueles que denunciaram e lutaram contra o colonialismo, na antropologia, nas políticas acadêmicas e nas políticas estatais. Eu só tenho a agradecer à APLA e aos colegas que participaram da comissão julgadora pela oportunidade e pelo reconhecimento. Acredito que cada vez mais poderemos pensar em trabalhos conjuntos, colaborativos.