Meryl Streep brilhou em seu discurso ao receber o prêmio Cecil B. DeMille pelo conjunto de sua obra.
Ao criticar Donald Trump, não citou nomes. Foi inteligente e elegante o suficiente para não fazê-lo – o famoso tapa com luvas de veludo.
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Criticou o projeto político que ele representa – que já não cabe em um nome, mas em um quase aterrorizante sentimento – e tudo foi posto sem pessoalização, sem politicagem, com a coerência com que se deve assumir lugares de poder.
Não citar nomes me parece uma escolha, sobretudo, diplomática. Com a serenidade de seus sábios 67 anos, Meryl tem certa diplomacia necessária para um diálogo que de fato surta efeito: para apontar incongruências e externalizar indignações sem perder as estribeiras e a razão.
Favor não confundir diplomacia com covardia. Não citá-lo não foi, decerto, uma questão de reverência, pelo contrário: Acabou por expô-lo a uma vergonha silenciosa diante do óbvio fascismo à americana que seu projeto político e sua figura carregam.
Meryl Streep, atriz hollywoodiana branca, está em um lugar de poder. Um lugar do qual pode falar e ser ouvida (ovacionada, inclusive), um lugar, sobretudo, no qual está segura.
No resto do mundo, há mulheres que ainda não atingiram lugares nos quais podem estar seguras para falarem e serem ouvidas. Lugares de poder não são delegados às mulheres: Elas precisam adentrá-los a duras penas.
Meryl assume este lugar com lucidez, altruísmo e, sobretudo, empatia.
Seu discurso vai além de uma bordoada em Donald Trump.
Não se trata de propaganda ou anti-propaganda política: ele atinge a intolerância, as desigualdades, os preconceitos. Problematiza a arte, o poder e a representatividade. Nos convida a reconhecer nossos privilégios, rever nossas práticas, pensar universalmente.
É tão abrangente que é impossível dar conta em um artigo. Tão abrangente quanto precisamos que seja.
A quem serve o seu poder, o seu conhecimento, a sua arte? – Eis o estimulante questionamento nas entrelinhas do discurso de Meryl Streep.