Sabemos de espertalhões que furaram as filas da vacinação no Brasil e em muitos países. Os argentinos enfrentaram o constrangimento de ver um governo de esquerda em que o ministro da Saúde (já demitido) vacinava um grupo de elite de autoridades, conhecidos, amigos e protegidos.
Mas o Brasil passou à frente de todos mais uma vez com a denúncia da revista Piauí de que aqui há endinheirados comprando vacina da Pfizer. É uma forma inédita de furar fila.
Não há notícia em nenhum outro país de políticos e empresários que tenham tomado a iniciativa de comprar a vacina para imunizar parentes e amigos.
Aconteceu com um grupo de políticos e empresários da área de transportes de Minas Gerais. Eles pagaram R$ 600 pelas duas doses para um grupo de 50 pessoas. Gastaram R$ 30 mil.
Os organizadores do esquema de fura-fila foram os irmãos Rômulo e Robson Lessa, donos da viação Saritur. A vacinação aconteceu em uma garagem do grupo.
A Piauí diz que o ex-senador Clésio Andrade, ex-presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), foi um dos vacinados, porque teria ganho a vacina de presente. A segunda dose está prevista para daqui a 30 dias.
Pela lei, os bacanas só poderiam ter comprado a vacina se essas fossem depois doadas ao SUS. Deveriam doar tudo até que os grupos de risco – em torno de 77 milhões de pessoas – tivessem sido vacinados.
Depois da vacinação desses grupos, a iniciativa privada deve dividir os estoques comprados ao meio, para a turma deles e para o SUS. O SUS deve ficar com a metade.
Mas agora não poderiam ter feito o que fizeram, porque menos de 20% das pessoas dos grupos de risco foram vacinadas.
Alguém pode pensar: mas quem tem dinheiro vai ao mercado e compra a vacina. Não é bem assim.
Não dá pra concordar que, num mundo em que todos os países querem vacinas, os que têm dinheiro possam chegar aos imunizantes antes dos governos.
A vacinação é um esforço mundial de saúde pública. Os empresários deveriam lutar para que todos tenham acesso às vacinas. Mas fizeram o que para eles é mais fácil.
Os sinhozinhos cometeram um delito. E não estão sozinhos. A Pfizer deve ser investigada, porque também descumpriu compromissos de protocolos mundiais. Os governos devem ser atendidos antes.
É uma de tentativa de equidade num cenário de guerra, em nome do bom senso e do humanismo, mais do que uma regra que nem precisa ser escrita. A Pfizer patrocinou a atitude egoísta dos bacanas brasileiros ao permitir que comprassem a vacina.
Teremos explicações esdrúxulas, que não irão convencer ninguém. Não esperem punição. A casa grande ainda existe no Brasil. O genocídio tem cúmplices, por adesão ou omissão, em todas as áreas.