O Estado brasileiro não assume os atentados terroristas que deixam 63 jovens negros mortos por dia. Por Mázio Ribeiro

Atualizado em 24 de julho de 2018 às 14:39
Por Latuff

Publicado no GGN

POR MÁZIO RIBEIRO, escritor

Um atentado terrorista, assim classificado pela Resolução 49/60 da Assembleia Geral da ONU, é aquele cujo fim pretendido ou calculado seja para provocar um estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em indivíduos para fins políticos, sendo tido como injustificável em qualquer circunstância, independentemente das considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra natureza que se tente justificá-lo.

A lei 13.260/2016 define, nacionalmente, terrorismo como sendo a prática por um ou mais indivíduos de ato, por razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião, cuja finalidade seja a de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Claro estar, portanto, que, ante as duas definições, um Estado Nacional não pratica atentado terrorista. Isso parece ser bem lógico, já que tais conceitos partem do próprio Estado em direção aos grupos paralelos ou organizações políticas que se encontram fora do escopo do poder oficial.

Há, no entanto, uma conceituação aceita nesse sentido, quando um Estado não-democrático, com o fim de manter a sua hegemonia, patrocina ataques violentos àqueles que questionam e se insurgem contra o pensamento e o regime de governo vigente.

Independentemente dos meios utilizados e para quais objetivos, a morte de um ser humano deve ser questionada, tanto quando for causada por grupos armados que querem causar terror a fim de terem suas reivindicações atendidas, quanto quando for por um Estado oficial, seja democrático ou não, por ação ou por omissão. Sendo assim, acredito haver necessidade de um ajuste de definição.

Nesse sentindo, guardadas as ponderações epistemológicas e hermenêuticas, os estados praticam, diariamente, atentados terroristas contra suas populações. E o Estado Brasileiro que, num passado recente, dizimou o seu povo indígena, restando apenas extratos esquecidos e histórias bem contadas, continua com o seu descalabro e atenta terroristamente por desleixo ou ação direta contra o trabalhador da cidade e do campo, contra as mulheres, LGBTs, contra os idosos, contra as crianças, e, desde sua fundação, continua com os  atentados terroristas contra a população negra, e que, de tão comuns, tornam-se invisíveis e massificados no imaginário coletivo como normais. Usa para isso caneta (ou deixa de usá-la) e todo o aparato estatal, devidamente legalizado.

Como já dito, a morte de qualquer ser humano merece questionamentos. Porém, para a população negra os questionamentos não aparecem. Mesmo havendo um ataque terrorista diário que mata 63 jovens negros no país, nenhum terror social é causado, nem tampouco nenhum grupo assume a autoria das agressões.

O Estado brasileiro precisa parar de se esconder nas conceituações e agir contra si próprio a fim de deter a sua investida insana e terrorista contra a nossa população jovem negra. Para isso, é imperativo e urgente que o Brasil assuma a autoria desses ataques e, mais que isso, corrija-se para que eles não voltem a ocorrer.