“O Estado Islâmico quer criar ressentimentos contra os muçulmanos na Europa”

Atualizado em 24 de novembro de 2015 às 14:11

muçulmanos na europa

Publicado na DW.

 

O grupo terrorista “Estado Islâmico” (EI) tenta criar ressentimentos contra os muçulmanos que vivem na Europa, afirma o jornalista Christoph Reuter em entrevista à DW. O objetivo é aproximá-los dos jihadistas, diz.

“Quanto mais rígidos, xenófobos e de direita os governos europeus se tornarem, mais os muçulmanos na Europa vão se sentir contra a parede. Se o EI conseguir que apenas uma parcela mínima deles se radicalize, já haverá milhares de muçulmanos possivelmente dispostos a praticar atentados – e esse é o objetivo”, afirma.

Reuter se referia ao passaporte sírio encontrado ao lado de um dos homens-bomba dos atentados de 13 de Novembro em Paris. “A intenção era que parecesse que havia um refugiado entre os terroristas e, por extensão, colocar sob suspeita todos os refugiados sírios que vieram para a Europa nos últimos meses.”

Reuter foi correspondente no Oriente Médio para as publicações alemãs Die ZeitStern e Der Spiegel.

DW: O senhor analisou detalhadamente a estrutura do “Estado Islâmico” (EI) e escreveu um livro sobre a organização terrorista. Qual o motivo para o grupo voltar a cometer atentados justamente agora na Europa?

Christoph Reuter: Há um indício para o possível motivo: aquele passaporte que estava ao lado de um dos homens-bomba. Curiosamente era um passaporte sírio falso com carimbos da ilha grega de Leros.

A intenção era que parecesse que havia um refugiado entre os terroristas e, por extensão, colocar sob suspeita todos os refugiados sírios que vieram para a Europa nos últimos meses. Todos os outros agressores não tinham documentos estrangeiros. Eles eram franceses ou belgas. Mas um deles estava com um passaporte e este não estava queimado. É como se ele tivesse sido descartado pouco antes da explosão.

Portanto há uma chance de embaralhar o estado das coisas na Europa, de criar ressentimentos, que naturalmente são ainda mais dramáticos se a população alemã se deparar com 1,5 milhão de refugiados até o fim do ano. O EI quer suscitar ressentimentos para ganhar mais adesões?

Exatamente. O EI planeja meticulosamente e no longo prazo, em várias etapas. Quanto mais rígidos, xenófobos e de direita os governos europeus se tornarem, mais os muçulmanos na Europa vão se sentir contra a parede. Se o EI conseguir que apenas uma parcela mínima deles se radicalize, já haverá milhares de muçulmanos possivelmente dispostos a praticar atentados – e esse é o objetivo.

O senhor falou que o EI age com estratégia, ou seja, não se trata sempre de “religião”.

Eles não se deixam guiar por ninguém, exceto pelos seus próprios planos. Isso se deve ao fato de que, em 2003, não somente Saddam Hussein foi derrubado, como também todo o serviço de inteligência e o Exército foram dissolvidos. Essas pessoas foram mandadas para o deserto e caíram, em parte, nas mãos dos jihadistas. Era gente com 20, 30 anos de experiência nos serviços de inteligência. São os engenheiros do poder, os engenheiros da repressão e do terrorismo, aqueles que sustentaram o império de Saddam Hussein.

Ou seja, quando se une essas pessoas sob o lema “somos o braço executivo de Deus”, então se consegue uma organização extremamente combativa e astuta, que se autodenomina “Estado Islâmico”. O EI se alastra por uma região imensa, enquanto a Al Qaeda nunca conseguiu dominar além de alguns pontos isolados, que na maioria dos casos perdia rapidamente.

O EI tem a pretensão de ser um Estado. O fato de eles trabalharem com pessoas que atuaram na liderança de uma ditadura muito rígida ajuda os terroristas?

Sim, ajuda. Mas, para fora, eles mantêm uma fachada totalmente fechada e altamente polida, na qual está Abu Bakr al-Baghdadi, o califa, e todas as declarações são embebidas com citações do Alcorão. Eles se mostram completamente religiosos, ferrenhos, fiéis às suas convicções. Não se menciona que alguns infiéis e algumas pessoas não muito religiosas fazem parte da liderança do movimento. Essa é justamente a diferença entre a fachada e a realidade interna.

Quais seriam então as medidas a serem tomadas?

Sírios de todos os lados devem se unir. Apoiadores de todas as alas na Síria devem se entender sobre uma paz sustentável. É isso que precisamos como primeiro passo para, num segundo momento, realmente combater o EI. Mas isso só pode funcionar se conseguirmos chegar a uma trégua aceitável para todas as partes. E isso significara também para o Irã e para a Rússia o reconhecimento de que eles não podem se apoiar em Bashar al-Assad.

Esses países teriam que ajudar ambas as partes – aquela sob o controle do governo em Damasco e os diferentes rebeldes – a pôr um fim nessa guerra. Deve haver uma divisão de poder sem a família Assad e sem alguns dos generais, que teriam de ser enviados para o exílio. Então se conseguiria unir muito rapidamente sírios de todas as facções em torno de um grande interesse comum: expulsar o EI de seu território. Mesmo se a França decidisse enviar soldados ao país árabe: com quem e de que lado eles deveriam lutar?