Publicado no jornal GGN
POR LUIS NASSIF
De repente, como surgido do nada, um perfil de Facebook, de nome Romulus Maia, tornou-se ativista das redes sociais e uma figura controvertida, com manifestações confusas, agressivas, culminando com ataques pesados contra duas das principais lideranças da oposição.
Afinal, quem é a pessoa? Apresenta-se como Romulus Maia. Diz que Maia é nome da sua cachorrinha. Diz que mora na Suíça e é advogado internacionalista. Desafiado, mostrou sua carteirinha da OAB-RJ com tarjas em todos os campos em que pudesse ser identificado.
Em princípio julguei ser apenas uma dessas pirações de Internet, fruto da falta de discernimento de lideranças de esquerda, dispostas a encher a bola de qualquer pessoa que lhes traga visibilidade, sem perguntar quem é e o que quer.
Atribuí os factoides criados, os falsos escândalos, a algum temperamento borderline, que tende a se potencializar nas libações da Internet.
Mas havia método na loucura, que se tornou mais claro quando passou a investir pesadamente contra os deputados Paulo Pimenta e Wadih Damous e contra blogs de oposição.
Aí levantou-se uma lebre que levou o caso a outro patamar, acima das quizílias de blogs e redes sociais.
As pesquisas revelaram um perfil surpreendente.
O advogado que preparou Angola para a Trafigura.
No artigo “Como a Lava Jato beneficiou a principal concorrente do Brasil na África”, mostramos como foi a entrada da Trafigura em Angola e o oceano de corrupção instalado no governo local. Apenas um dos laranjas do presidente acumulou fortuna estimada em US$ 1 bilhão.
A entrada da Trafigura foi precedida pelo trabalho dos chamados “formadores”, consultores que foram ao país preparar a opinião pública para os novos tempos. Esse trabalho prévio dos “formadores” foi essencial para as etapas seguintes, que transformaram Angola na mais corrupta república da África.
Um desses “formadores” era justamente o jovem advogado Rômulo Brillo. Em 21 de julho de 2011 foi vender as maravilhas do capital internacional para Angola no seminário “Investimento direto confere estabilidade ao país”.
Seu nome real é Rômulo Soares Brillo de Carvalho. Formou-se em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 2006. Fez pós-graduação lato sensu em Direito do Comércio Internacional em 2008. Tornou-se, desde então, um estudioso das relações entre capital internacional e países, procurando formas de blindar o capital internacional dos humores dos governos nacionais.
Em Angola, o “formador” Rômulo Brillo explicou o seguinte:
“sublinhou o momento atual do país ser importante para a economia angolana, pois, depois de conquistada a estabilidade, o Governo está a negociar e a celebrar tratados internacionais com parceiros econômicos e está a reformar e promulgar leis internas que versam sobre regulação do investimento estrangeiro”.
Referiu que o investimento estrangeiro é importante para a estratégia de desenvolvimento de qualquer país e fundamental para Angola no seu objetivo de diversificar a economia.
Por isso, disse, ” tivemos oportunidade de estudar a importância desses investimentos e também a complexidade e os problemas que podem gerar, desenvolvemos técnicas de melhor governação e de prevenção de controvérsias para que o país possa desfrutar dos benefícios desses regimes internacionais e ao mesmo tempo poupar os seus recursos”, sublinhou”.
O advogado do capital multinacional
Antes disso, no campo acadêmico, seus estudos se concentraram especificamente em discutir as melhores maneiras de evitar abusos dos estados nacionais contra o investimento externo.
Ainda na Faculdade de Direito, mereceu agradecimento especial de Marilda Rosaldo de Sá Ribeiro, por sua contribuição ao livro “Direito dos Investimentos e Petróleo”, cuja preocupação maior era sobre a insegurança jurídica para investimentos de longo prazo em petróleo e gás.
“Pretendemos neste artigo focalizar a renovação do interesse na regulação internacional dos investimentos no Direito Internacional Contemporâneo e a relevância do tema para os estudos sobre o petróleo e o gás. Os investimentos na indústria do petróleo, pela duração e risco envolvidos, são um paradigma das intempéries a que se sujeitam os investimentos diretos, de longo prazo, mais vulneráveis às oscilações e mudanças introduzidas pelos países hospedeiros em suas políticas”.
Com um ano de formado, participou de audiência pública da ANP (Agência Nacional de Petróleo), como advogado da Leite, Tosto e Barros Associados, com preocupações sobre medidas judiciais na 9º rodada do pré-sal.
Em 2011 terminou seu mestrado sobre “O segundo tempo do regime internacional de investimento: a nova geração de tratados e a prevenção de controvérsias investidor-Estado”.
O livro defende o direito internacional, sobrepondo-se aos nacionais, e discute maneiras de evitar conflitos com os tribunais internacionais focados em direitos humanos e meio ambiente.
A ida para o WTI
Depois da UERJ, passou por universidades em Barcelona e foi parar na World Trade Institute (WTI).
Segundo seu site, trata-se de “uma instituição acadêmica líder dedicada ao ensino e pesquisa focada no comércio internacional e regulação de investimentos e globalização econômica e sustentabilidade. Como centro de excelência na Universidade de Berna com foco internacional e interdisciplinar, exploramos as interconexões entre os campos do direito, da economia e da ciência política”.
O diretor-gerente do WTI é Joseph François, diretor interino de economia da Comissão do Comércio Internacional dos Estados Unidos.
François criou laços diretos entre o WTI e o Yale Center for the Study of Globalization, cuja missão maior é “de entender a globalização e as instituições e políticas necessárias para aprimorá-la como uma força para o bem”. O centro participou do Comitê Zedillo, em homenagem ao presidente mexicano Ernesto Zedillo, que assinou o tratado da ALCA com os Estados Unidos.
Rômulo Brillo tem sete papers no WTI. Junto com Katja Gehne em março passado lançou o pequeno livro “Cláusulas de Estabilização Internacional. Lei do Investimento: além do equilíbrio”.
Em 2010, concorrendo pela Universidade de Barcelona foi o 4º colocado no concurso Foreign Direct Investment International Arbitration Moot, no King’s College. FOI considerado resultado excepcional, pois era a primeira vez que a Universidade concorria.
Esse sucesso deve tê-lo ajudado a se tornar um “formador” em Angola, atuando como batedor da Trafigura, e a passar a integrar os quadros do WTI.
A missão da WTI é clara, de ser da linha de frente da globalização:
Nós recrutamos estudantes, pesquisadores, professores e funcionários de todo o mundo, criando uma cultura diversificada e ambiente estimulante.
(…). A WTI coopera estreitamente e compartilha suas instalações com o Instituto de Direito Econômico Europeu e Internacional.
Pretendemos moldar a política pública para que a governança econômica internacional gere benefícios tangíveis para a sociedade
Nós nos esforçamos para ser a principal instituição acadêmica mundial de estudos, ensino e pesquisa no comércio internacional e regulação de investimentos e globalização econômica e sustentabilidade.
A preocupação maior é a segurança dos investimentos e, para tanto, a consagração de tribunais internacionais de conciliação, em lugar das justiças nacionais:
“Os capítulos de investimento começaram a ser incluídos em certos acordos de comércio preferencial (PTAs) seguindo o exemplo de NAFTA incorporando proteção de investimento em Cadeias de Valor Global (GVCs). É notável que a maioria dos AIIs permite que investidores estrangeiros desafiem ações governamentais fora dos tribunais locais, usando provisões de solução de conflito entre investidores e estados (ISDS) para desencadear arbitragens vinculativas do Estado investidor.
Uma de suas grandes preocupações é, justamente, com o avanço dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e seus impactos sobre os países europeus.
Em 2013, Rômulo Brillo voltou a participar de um Seminário, na Segunda Conferência da Rede Africana de Direito Econômico Internacional.
Participou também do livro “International Economic Law and African Development”.
A grande interrogação
E aí se volta à questão inicial.
A WTI tem especial interesse em estudar os mercados globais de commodities, já que a Suíça se transformou em um grande centro. A maior multinacional suíça de commodities é justamente a Trafigura, que é parceira da WTI em inúmeros projetos, como o The Commodity Sector and Related Governance Challenges from a Sustainable Development Perspective: The Example of Switzerland – Current Research Gaps.
Conforme denunciamos na série sobre a “delação premiada”, até agora a Lava Jato poupou de maneira suspeita a Trafigura, maior multinacional suíça e envolvida até o pescoço no escândalo da Petrobras. Mas o inquérito permanece no ar, como um ectoplasma assombrando uma das maiores máquinas de corrupção do planeta, a empresa que conquistou Angola, passando a controlar não apenas a exploração, como a importação e a venda de combustíveis.
Enquanto o inquérito não for arquivado, ou a Lava Jato for desmontada, há um perigo latente para a Trafigura, já que a exposição de sua corrupção com a Petrobras afetaria seus negócios globalmente.
Por que um jovem e promissor advogado, um estudioso das questões internacionais, um membro da WTI, um “formador” que ajudou a desbravar países como Angola para a Trafigura, perderia tempo tentando se transformar em agitador político pelas redes sociais e investindo contra blogs e lideranças políticas que estão na linha de frente da resistência?
Todo seu tempo é dedicado ao blog e aos ataques, criando factoides, às vezes alguns fatos reais, mas sempre com uma ansiedade incompreensível para implodir a Lava Jato, a ponto de atacar parlamentares e blogs que não compactuem com sua pressa e com suas teorias.
É possível que a agressividade e ansiedade do blogueiro tenha um fundo emocional. É possível que não.
Mas certamente ele não deixará seu público sem respostas satisfatórias para essas indagações.