O fato de Javier Milei, o candidato da extrema direita argentina, ter sido evasivo na abordagem de suas ideias econômicas ultraliberais, no debate de domingo na TV, é uma surpresa que não deveria surpreender.
Por que ele foi categórico na defesa da ditadura e nos ataques à memória das vítimas dos militares e não na defesa da dolarização?
A resposta é básica: Milei foi convencido pela elite empresarial, principalmente do agro es pop, de que deve abandonar o teatro em que representa o candidato fora da casinha e cair na real.
E cair na realidade significa fazer o que ele fez no debate. Deixar pra lá a história da dolarização e da compra de vagas para estudantes em escolas privadas, para se dedicar ao que importa.
O que importa agora é imitar o que Bolsonaro fez no Brasil. Apresentar-se cada vez mais como candidato do fascismo antiperonista, reafirmar admiração por regimes totalitários e por torturadores e fidelizar o eleitorado que irá puxar o resto.
O resto é o eleitor de centro que, a exemplo do que ocorreu no Brasil, precisa de alguém que sepulte para sempre Cristina Kirchner e todo o kirchnerismo herdeiro do que sobrou do peronismo.
Milei tem em sua base os ricos e os desatinados, esses últimos compreensivelmente em busca de um milagre diante da crise econômica, e quer alargar esse lastro com o que pode lhe garantir a vitória talvez até no primeiro turno.
Milei desistiu de detalhar coisas complexas e ilusórias, como a dolarização de uma economia sem dólares, e a concessão de créditos para que as famílias, ao invés de mandarem os filhos para a escola pública, tenham um voucher para pagar pelo ensino que comprarão de escolas particulares.
O empresariado e a direita tradicional, que pode desistir da candidata macrista Patricia Bullrich, devem ter dito a Milei: o que o eleitor quer ouvir agora é que você representa a possibilidade real da volta da direita ao poder em meio ao aumento da desesperança.
Milei seria o mágico, como Carlos Menem foi nos anos 90, que produziria o milagre da salvação nacional, porque macrismo e peronismo teriam perdido a confiança da maioria.
Patricia Bullrich, a candidata da velha direita, que já vinha mal nas pesquisas, pode ser abandonada pelo poder econômico e pela classe média conservadora, e Milei já deve estar se preparando para a adaptação do discurso e de seus planos.
Mesmo que seja economista, é provável que também ele tenha um posto Ipiranga adaptado à situação argentina e que a dolarização fique para depois. Milei começa a ser tutelado, para que possa ser mais do que um candidato esdrúxulo e raso.
É preciso que o sujeito deixe claro que é o candidato capaz de repetir nas Argentina o que Bolsonaro fez no Brasil em 2018. O que aconteceu depois é outra história.
Bolsonaro pisoteou e deixou aos pedaços a tese segundo a qual a maioria do eleitorado se guia pela expectativa de solução de suas demandas financeiras e econômicas. Bolsonaro cuspiu na frase “é a economia, estúpido”, repetida à exaustão para muitas das tentativas de explicar o comportamento de quem vota.
Nem sempre é a economia. Milei já tem hoje, segundo as pesquisas, o que Bolsonaro só foi conquistar às vésperas da eleição de 2018 e mantém até agora, já fora do poder: uma base de apoio de pelo menos um terço dos argentinos.
O que falta para vencer o peronista-kirchnerista Sergio Massa virá, com o tempo, com a certeza desses restantes de que ele pode de fato ser vitorioso.
Aqui, o eleitor disse a Bolsonaro em 2018: o que importa, estúpido, é derrotar o PT. Dia 2 de outubro saberemos se é assim que funciona também lá, onde o importante hoje seria ressuscitar a exaltação da ditadura e derrotar o peronismo.
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MULHERES ARGENTINAS
Mais um exemplo que a TV argentina C5N oferece ao Brasil. Depois do debate de ontem entre os cinco candidatos à presidência, a TV promoveu um debate com jornalistas e influencers convidados. Eram cinco mulheres e três homens.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes
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