E o fato do dia foi um não fato.
A mídia em bloco, e numa típica atitude de manada, noticiou que o governo queria fazer um acordo com Eduardo Cunha.
Em troca de ele rejeitar qualquer pedido de impeachment, o governo o salvaria da cassação.
Vi nas redes sociais, logo cedo, pessoas de esquerda indignadas com esse acordo.
Fui ler um dos textos sobre a alegada negociação. Alguém postou no Facebook o artigo do Estadão e foi ali que me inteirei do assunto.
Logo pensei.
Quem é a fonte? Não havia. Era off. O acordo seria obra de Lula.
Mas um momento: Lula não fala com a imprensa. Hoje, Lula, com muita razão, processa a imprensa.
Lula com certeza não falou aos jornais. E ninguém do seu círculo íntimo também, até porque a posição de Lula no caso era desmoralizadora.
Então, numa leitura cuidadosa, você percebia que era coisa de alguém que nada tinha a ver com Lula.
Duas hipóteses: o próprio Eduardo Cunha. Ou a oposição, notadamente Aécio ou Serra, maus caracteres que não hesitam em usar a mídia amiga para atacar adversários com sacanagens.
O acordo não resistiu a cinco minutos de minha leitura.
A quem duvidar, deixei os pontos acima expostos na página do psolista Gilberto Maringoni, onde li a notícia do acordo.
Poucas horas depois, veio o desmentido. Rui Falcão lembrou que quem busca sociedade com Cunha é a oposição golpista.
E antes que viesse o esclarecimento: que sentido teria para o governo procurar Cunha num momento em que ele está morto, esmagado por provas acachapantes que só poderão terminar em prisão?
Uma coisa é negociar com um homem como Cunha em situação de força. Depois você vomita, mas pode resolver alguns problemas.
Outra coisa é você negociar com um homem como Cunha quando ele está tecnicamente no cemitério.
Mas mesmo assim a mídia não hesitou em dar, e sem ressalvas, o acordo.
É um episódio que conta muito sobre a qualidade lastimável do jornalismo que se faz hoje no país.
Estive muitos anos em redações, e sei como a coisa funciona.
O objetivo agora é pegar Lula. E então os repórteres vão atrás de qualquer coisa contra Lula. Até um boato que simplesmente não faz sentido, como este.
Em tempos normais, um erro desta natureza custaria um ou vários empregos. Mas hoje você pode errar quanto quiser – desde que seja contra Lula. (Ou Dilma e o PT, aliás.)
É a miséria do jornalismo nacional.
Daqui a pouco, sequer a data vai estar certa nos jornais, tantas são as mentiras que eles publicam na defesa de seus próprios interesses políticos e econômicos.
Escrevi, algum tempo atrás, sobre o velho slogan da Folha, “um jornal a serviço do Brasil”.
Não. O certo é: “um jornal a serviço de si mesmo”.
O mesmo se aplica a todos os jornais – e revistas etc etc – brasileiros.
Você tem que ler com extremo cuidado os jornais, ou vai sair por aí falando bobagens como esta do acordo entre o governo e Cunha.