O fiasco dos generais com a sequência de golpes fracassados. Por Moisés Mendes

Atualizado em 27 de junho de 2024 às 22:58
Ex-comandante do Exército da Bolívia, Juan José Zuñiga, foi preso após liderar invasão ao palácio presidencial. Foto: Reprodução

Até o tenente Jair Messias Bolsonaro sabia que o golpe do general Juan José Zuñiga (foto) não daria certo. Pelos antecedentes de rebeliões militares recentes e porque a qualidade dos generais é precária, não só na Bolívia.

O primeiro dado diferente e relevante, em relação ao golpe boliviano bem-sucedido (por um ano) de 2019, é que agora um general, que chegou a ocupar o comando do Exército, tentou ser protagonista.

O golpe de novembro de 2019 contra Evo Morales havia sido acionado pela Polícia Nacional, que se amotinou a partir de Santa Cruz de la Sierra, e os generais foram coadjuvantes.

A PN, a força federal fardada e ostensiva, uma espécie de carabineiros chilenos e com atribuições de polícia judiciária, negou-se a reprimir manifestações violentas nas ruas contra a terceira reeleição de Morales.

A eleição era considerada fraudulenta pela golpista Organização dos Estados Americanos. As acusações da OEA, dominada pela direita mundial, foram depois desqualificadas por observadores e auditorias independentes.

Naquele novembro, com o país sob pressão do fascismo incomodado com a perenidade de Morales, a PN acabou pressionando os comandantes das forças armadas, que foram empurrados para o golpe.

O chefe das Forças Armadas, general Williams Kaliman, se viu obrigado a ler um manifesto sugerindo a renúncia do presidente. Morales buscou asilo no México. O general e seus comandantes temiam ser atropelados, não pelas suas tropas, mas pela PN amotinada.

Dias depois, Kaliman fugiu do país e nunca mais foi visto. Todos os seus subordinados das três armas foram presos em 2021. Jorge Mendieta, comandante do Exército, Jorge Gonzalo Terceros Lara, da Força Aérea, e Palmiro Gonzalo Jarjuri Rada, da Marinha (num país que não tem mar).

Também prenderam Jeanine Añez, a laranja do golpe, segunda vice-presidente do Senado e terceira na sucessão para ocupar interinamente a presidência. Jeanine assumiu o lugar de Morales porque o vice-presidente, Álvaro García Linera, também renunciara, e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, era do Movimento ao Socialismo (MAS), do presidente golpeado.

Presidente da Bolívia, Luis Arce. Foto: Aizar Raldes/AFP

Prenderam os militares, Jeanine, ministros civis, oficiais subalternos das Forças Armadas e chefes da Polícia Nacional envolvidos no golpe. O povo havia reagido e o país voltara à “normalidade” em outubro de 2020 com a eleição de Luis Arce, ex-ministro da Economia de Morales. O MAS estava de volta ao poder e Morales estava de volta ao país.

Em dezembro de 2022, o Ministério Público boliviano pediu e a Justiça determinou o que parecia improvável: a prisão de Luis Fernando Camacho, governador de Santa Cruz de la Sierra e principal líder civil do golpe. O homem que levou a PN ao motim contra Morales.

O cerco havia se fechado. Muitos duvidavam que Camacho pudesse ser preso como golpista, porque Santa Cruz, a região mais rica do país e reduto da extrema direita, iria se rebelar. Não aconteceu nada.

Todos os golpistas, com exceção de Kaliman e outros foragidos de menor porte, estavam contidos. O motim de 2019 havia sido improvisado, a partir do levante da PN, e não tinha um líder dentro das Forças Armadas. E porque, o mais importante, os bolivianos não aceitaram o golpe.

Os generais foram expostos como covardes que aderiram ao motim por temerem a imposição da PN. Jeanine e os generais foram julgados e condenados, depois de muitas delações entre os militares, mas Arce teve de mexer várias vezes nos comandos armados. Não dava para confiar nos chefes das três forças.

Para completar, Arce e Morales passaram a brigar pelo controle do MAS. As divergências foram ampliadas pela decisão de Morales de disputar a eleição de 2025, o que complicaria a reeleição de Arce.

Mesmo com uma decisão da mais alta Corte, o Tribunal Constitucional Plurinacional, impedindo Morales de concorrer, ao anular o que chamavam de reeleição indefinida, as desavenças internas no MAS avançaram e racharam o movimento.

As divisões no MAS, com a disputa entre Morales e Arce, devem ter levado o ex-comandante do Exército e general golpista Juan José Zúñiga a achar que poderia liderar uma rebelião. Mas foi deixado sozinho pelos parceiros de farda, ao contrário do que aconteceu em 2019, quando todos os chefes militares posaram para a foto ao lado de Kaliman.

Qualquer aprendiz de golpismo, inclusive Bolsonaro, sabia que o novo motim seria um pastelão. Porque a Bolívia aprendeu a reagir a golpes em 2019. Porque até Jeanine Añez e Camacho condenaram a rebelião. E porque Zúñiga tem todo o perfil de general de comédia.

Não há no entorno da vizinhança nenhum país que pudesse apoiá-lo, nem mesmo a Argentina do fascista Javier Milei. Não havia como contar com apoio internacional. Nada daria certo depois da condenação imediata por parte de Lula.

O golpe de 2019 havia ocorrido no contexto da ascensão da extrema direita no Brasil. Tanto que muitos dos golpistas foragidos teriam buscado abrigo aqui. E Trump era o presidente americano. Hoje, o cenário é outro.

O que tivemos foi mais um golpe tabajara. Com um detalhe que diferencia os generais bolivianos dos brasileiros. Em 2019, lá eles foram empurrados para o golpe pela polícia e ficaram marcados como covardes sem liderança. Todos acabaram presos. Desta vez, um general assumiu a iniciativa da afronta.

No Brasil, os generais pediram que os manés tivessem fé e tentassem derrubar Lula. Por covardia, nunca se assumiram como golpistas. Na última hora, saltaram fora e aconteceu o 8 de janeiro. Os generais bolivianos foram presos. Os generais brasileiros estão soltos e impunes.

A combinação de arrogância, incompetência e idiotia derrotou mais uma vez os amotinados bolivianos, como já havia derrotado os militares brasileiros de Bolsonaro. Nunca a América Latina esteve tão mal de generais golpistas.

Publicado originalmente no “Blog do Moisés Mendes”

Chegamos ao Blue Sky, clique neste link
Siga nossa nova conta no X, clique neste link
Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link