Até o tenente Jair Messias Bolsonaro sabia que o golpe do general Juan José Zuñiga (foto) não daria certo. Pelos antecedentes de rebeliões militares recentes e porque a qualidade dos generais é precária, não só na Bolívia.
O primeiro dado diferente e relevante, em relação ao golpe boliviano bem-sucedido (por um ano) de 2019, é que agora um general, que chegou a ocupar o comando do Exército, tentou ser protagonista.
O golpe de novembro de 2019 contra Evo Morales havia sido acionado pela Polícia Nacional, que se amotinou a partir de Santa Cruz de la Sierra, e os generais foram coadjuvantes.
A PN, a força federal fardada e ostensiva, uma espécie de carabineiros chilenos e com atribuições de polícia judiciária, negou-se a reprimir manifestações violentas nas ruas contra a terceira reeleição de Morales.
A eleição era considerada fraudulenta pela golpista Organização dos Estados Americanos. As acusações da OEA, dominada pela direita mundial, foram depois desqualificadas por observadores e auditorias independentes.
Naquele novembro, com o país sob pressão do fascismo incomodado com a perenidade de Morales, a PN acabou pressionando os comandantes das forças armadas, que foram empurrados para o golpe.
O chefe das Forças Armadas, general Williams Kaliman, se viu obrigado a ler um manifesto sugerindo a renúncia do presidente. Morales buscou asilo no México. O general e seus comandantes temiam ser atropelados, não pelas suas tropas, mas pela PN amotinada.
Dias depois, Kaliman fugiu do país e nunca mais foi visto. Todos os seus subordinados das três armas foram presos em 2021. Jorge Mendieta, comandante do Exército, Jorge Gonzalo Terceros Lara, da Força Aérea, e Palmiro Gonzalo Jarjuri Rada, da Marinha (num país que não tem mar).
Também prenderam Jeanine Añez, a laranja do golpe, segunda vice-presidente do Senado e terceira na sucessão para ocupar interinamente a presidência. Jeanine assumiu o lugar de Morales porque o vice-presidente, Álvaro García Linera, também renunciara, e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, era do Movimento ao Socialismo (MAS), do presidente golpeado.
Prenderam os militares, Jeanine, ministros civis, oficiais subalternos das Forças Armadas e chefes da Polícia Nacional envolvidos no golpe. O povo havia reagido e o país voltara à “normalidade” em outubro de 2020 com a eleição de Luis Arce, ex-ministro da Economia de Morales. O MAS estava de volta ao poder e Morales estava de volta ao país.
Em dezembro de 2022, o Ministério Público boliviano pediu e a Justiça determinou o que parecia improvável: a prisão de Luis Fernando Camacho, governador de Santa Cruz de la Sierra e principal líder civil do golpe. O homem que levou a PN ao motim contra Morales.
O cerco havia se fechado. Muitos duvidavam que Camacho pudesse ser preso como golpista, porque Santa Cruz, a região mais rica do país e reduto da extrema direita, iria se rebelar. Não aconteceu nada.
Todos os golpistas, com exceção de Kaliman e outros foragidos de menor porte, estavam contidos. O motim de 2019 havia sido improvisado, a partir do levante da PN, e não tinha um líder dentro das Forças Armadas. E porque, o mais importante, os bolivianos não aceitaram o golpe.
Os generais foram expostos como covardes que aderiram ao motim por temerem a imposição da PN. Jeanine e os generais foram julgados e condenados, depois de muitas delações entre os militares, mas Arce teve de mexer várias vezes nos comandos armados. Não dava para confiar nos chefes das três forças.
Para completar, Arce e Morales passaram a brigar pelo controle do MAS. As divergências foram ampliadas pela decisão de Morales de disputar a eleição de 2025, o que complicaria a reeleição de Arce.
Mesmo com uma decisão da mais alta Corte, o Tribunal Constitucional Plurinacional, impedindo Morales de concorrer, ao anular o que chamavam de reeleição indefinida, as desavenças internas no MAS avançaram e racharam o movimento.
As divisões no MAS, com a disputa entre Morales e Arce, devem ter levado o ex-comandante do Exército e general golpista Juan José Zúñiga a achar que poderia liderar uma rebelião. Mas foi deixado sozinho pelos parceiros de farda, ao contrário do que aconteceu em 2019, quando todos os chefes militares posaram para a foto ao lado de Kaliman.
Qualquer aprendiz de golpismo, inclusive Bolsonaro, sabia que o novo motim seria um pastelão. Porque a Bolívia aprendeu a reagir a golpes em 2019. Porque até Jeanine Añez e Camacho condenaram a rebelião. E porque Zúñiga tem todo o perfil de general de comédia.
Não há no entorno da vizinhança nenhum país que pudesse apoiá-lo, nem mesmo a Argentina do fascista Javier Milei. Não havia como contar com apoio internacional. Nada daria certo depois da condenação imediata por parte de Lula.
O golpe de 2019 havia ocorrido no contexto da ascensão da extrema direita no Brasil. Tanto que muitos dos golpistas foragidos teriam buscado abrigo aqui. E Trump era o presidente americano. Hoje, o cenário é outro.
O que tivemos foi mais um golpe tabajara. Com um detalhe que diferencia os generais bolivianos dos brasileiros. Em 2019, lá eles foram empurrados para o golpe pela polícia e ficaram marcados como covardes sem liderança. Todos acabaram presos. Desta vez, um general assumiu a iniciativa da afronta.
No Brasil, os generais pediram que os manés tivessem fé e tentassem derrubar Lula. Por covardia, nunca se assumiram como golpistas. Na última hora, saltaram fora e aconteceu o 8 de janeiro. Os generais bolivianos foram presos. Os generais brasileiros estão soltos e impunes.
A combinação de arrogância, incompetência e idiotia derrotou mais uma vez os amotinados bolivianos, como já havia derrotado os militares brasileiros de Bolsonaro. Nunca a América Latina esteve tão mal de generais golpistas.
Publicado originalmente no “Blog do Moisés Mendes”