O fim das tendas de protesto é o começo de um mundo melhor

Atualizado em 26 de maio de 2013 às 16:09
O movimentos, nos seus primeiros dias, em frente à catedral: a mensagem sobreviverá

DE LISBOA

E então as barracas do movimento Ocupe Londres, anarquicamente montadas na frente na Catedral de São Paulo, são retiradas pela polícia, conforme se esperava depois que a justiça londrina decidiu contra o protesto.

Foram quatro meses e meio de uma estranha vizinhança entre a suntuosa catedral e as humildes barracas. Desde o início ficou claro que a Igreja Anglicana se habituou tanto, desde a origem sob Henrique VIII, a olhar para a aristocracia que não consegue enxergar, ou mesmo suportar, os pobres. Espiritualmente, a Igreja Anglicana parece estar 100% com o 1%, e zero com os 99%, para usar as percentagens consagradas nos protestos contemporâneos iniciados em Wall Street.

Vi, de perto, surgir o acampamento. Lembro, numa de minhas visitas, uma jovem escrevendo com um giz rosa no chão: “Power to the People”. Acompanhei, de longe, em Lisboa, o desfecho. Fala-se em vinte prisões, mas não houve sombra da violência da polícia americana em situações semelhantes.

O que restou?

O movimento foi extremamente bem sucedido em sua principal finalidade: colocar na agenda dos homens públicos dos países desenvolvidos o indefensável processo de concentração de renda das últimas três décadas. Sob Reagan nos Estados Unidos e Thatcher no Reino Unido, os ricos das grandes potências foram amplamente beneficiados com políticas tributárias que os levaram a pagar proporcionalmente muito menos impostos que a classe média. Um dinheiro que deveria mitigar a pobreza acabou aumentando abjetamente o patrimônio dos superricos. “Ganância é bom”, disse um personagem de um filme que marcou aqueles dias, Wall Street.

Desfeitas as barracas, esta mensagem fica.

Sem as tendas, não teria com certeza havido furor entre os britânicos em torno do bônus milionário do presidente do RBS, um banco que foi socorrido em 2009 com dinheiro do contribuinte. No ano passado, o RBS deu um prejuízo bilionário – e mesmo assim seu presidente estava prestes a pegar seus bônus quando a controvérsia se instalou. Com clara relutância, ele renunciou enfim à recompensa sem sentido.

Sem as tendas em Wall Street, Obama não teria – depois de quase um mandato inteiro – colocado em seu projeto de reeleição a promessa de combater a avassaladora pobreza que cobre os Estados Unidos. Quarenta e cinco milhões de americanos, segundo o censo, ou 15% da população, vivem abaixo da linha da pobreza.

Os protestos da série “Ocupe” acordaram o mundo para uma desigualdade tenebrosa que, em outros tempos, custaram a cabeça de reis.

Mesmo com as barracas desmontadas e tiradas da vista das pessoas, a mensagem delas jamais será esquecida – e delas resultará, certamente, um mundo menos desigual.