Por Fernando Brito
Os comentaristas políticos estão dizendo que a vigorosa resposta de Dilma Rousseff às melífluas declarações de Michel Temer – “ela é honestíssima, mas não tem habilidade política” – vai prejudicar os entendimentos de Lula com a ala do MDB que está disposta a apoiá-lo já no primeiro turno.
Podem até alegar isso, mas apenas para conseguirem mais um agrado aqui ou ali, não só porque o caráter de Michel Temer sabidamente não é nenhum diamante sem jaça como, salvo exceções, não são questões de princípio o que está no centro destas articulações.
Dilma não é candidata, não está obrigada a andar com jeitos e maneiras que está quem disputa um cargo e, afinal, não é com ela, mas com Lula que o MDB terá de entender-se ou não. E, de Lula, não se viu farpa, espinho ou sequer aresta estendida aos emedebistas. É um sacrifício que os estadistas fazem sem lhes revirar o estômago, tão possuídos estão da necessidade de colocarem o dever político acima de si mesmos.
Dilma não disse, honestíssima que é, nada que seja mentira. Temer praticou atos, no governo, para os quais não se legitimou na eleição e, portanto, ela fala de uma traição não sob o aspecto pessoal, mas político, aquela que se faz ao voto do eleitor.
Quanto à “habilidade política”, convenhamos, ela realmente não chega ao ponto do “tem que manter isso” que o habilíssimo então presidente, nos porões do Palácio disse a Joesley Batista para conservar com Eduardo Cunha.
Também não cobrou, como faz Temer usando o MDB, solidariedade de ninguém.
Melhor seria, claro, se a ex-presidenta tivesse aguentado o justo dissabor de ver seu nome na boca do tal “coiso”, como se ele estivesse fazendo um favor ao dizer que ela era “honestíssima”. Mas, extamente por isso, ela tem o direito de mandar que ele vá lamber sabão, como o faço, sem a elegância que a ex-presidenta mantém.
A carta, porque verba volant, scripta manent:
“Eu agradeceria que o senhor Michel Temer não mais buscasse limpar sua inconteste condição de golpista utilizando minha inconteste honestidade pessoal e política. É justamente essa qualidade que despreza, rejeita e repudia uma avaliação que parte de alguém que articulou uma das maiores traições políticas dos tempos recentes.
É de todo inócuo afirmar que não houve um golpe, pois este personagem se ofereceu como vice-presidente por duas vezes. E, assim, sabia por duas vezes qual era o programa político das chapas vitoriosas que foram eleitas em 2010 e 2014.
As provas materiais da traição política estão expressas na PEC do Teto de Gastos, na chamada reforma trabalhista e na aprovação do PPI para as quais não tinha mandato. Nenhum desses projetos estavam em nossos compromissos eleitorais, pelo contrário, eram com eles contraditórios. Trata-se, assim, de traição ao voto popular que o elegeu por duas vezes.
Lembro ainda que a “dificuldade de diálogo com o Congresso” não é razão legal e constitucional para impeachment em um regime presidencialista, como ele bem sabe.
Tal “dificuldade” era uma integral rejeição às práticas do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, criador do Centrão, que queria implantar com o meu beneplácito o “orçamento secreto”, realizado, hoje, sob os auspícios de um dos seus mais próximos auxiliares na Câmara Federal.
Finalmente, relembro que a História não perdoa a prática da traição. O senhor Michel Temer não engana mais ninguém. O que se conhece dele é mais que suficiente para evitá-lo, razão pela qual não pretendo mais debater com este senhor.”
Dilma Rousseff
(Texto Originalmente publicado em TIJOLAÇO)
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