A Globo quer provar que o golpe não é golpe.
É uma atitude típica de golpistas. Não há registro na história da humanidade de autores de um golpe que tenham admitido que estavam dando um golpe.
A Globo, experiente nisso, em 1964 afirmou que a derrubada de João Goulart era uma “revolução”, uma vitória da “democracia” e mentiras do gênero.
Durante muitos anos, depois da derrubada de Goulart, a palavra “revolução” foi adotada irrestritamente por toda a imprensa que tanto sabotara e desestabilizara a democracia.
Hoje, ninguém mais – nem a própria Globo – ousa falar em “revolução”.
Só que 2016 não é 1964. Naqueles dias, não existia o contraponto digital.
Agora, não. Os sites verdadeiramente independentes – aqueles não controlados pela plutocracia – venceram o duelo de narrativas. Fora das empresas dos Marinhos, Civitas, Frias etc, o golpe é tratado como deve ser: como golpe.
Não que os sites independentes sejam fabulosos, extraordinários, superpoderosos. Não, não são.
É que eles estão falando a verdade, e a imprensa mente descaradamente para fingir que o estupro da democracia é um sexo consensual.
Foram anos para a revolução desaparecer do dicionário nacional. Durante muito tempo, 31 de Março, o dia do golpe, era objeto de espetaculosas comemorações pelos golpistas. Desfiles militares multiplicavam-se pelo país.
Já faz tempo que ninguém dá a menor atenção ao dia 31 de Março. Sumiu da vida dos brasileiros. Porque era um golpe, e nada além disso.
Até hoje, mais de dois séculos passados, o 14 de Julho é comemorado intensamente pelos franceses. É o aniversário da Revolução de 1789.
Aquilo foi uma revolução real. Não fosse, teria tido o mesmo destino da quartela de 64 saudada pela Globo como revolução.
O golpe de 2016 nem se concretizou – e torçamos para que não se concretize – e já é universalmente conhecido como um golpe.
Escrevi universalmente no sentido literal. No resto do mundo, em que a Globo é impotente como um eunuco, também a definição de golpe já se consagrou.
Tem sido tragicômico o esforço inútil dos caciques da imprensa e seus índios em desmentir jornais e revistas do exterior.
Se havia alguma chance de vender ao mundo a ideia de que não é golpe, o espetáculo horripilante da votação de domingo na Câmara liquidou o assunto.
Os correspondentes estrangeiros não são idiotas. Eles viram o que se passava: bufões corruptos justificando com asneiras inimagináveis seu voto para derrubar uma mulher honesta, sob o comando do rei do crime Eduardo Cunha.
Não poderia haver melhor retrato do golpe, e nem propaganda mais devastadora contra os golpistas.
Uma mulher que desde antes de assumir o segundo mandato foi impedida de governar pela oposição e pela mídia está sendo acusada de imobilismo, num triunfo do cinismo. Eu prendo você e acuso você de não se mexer. É mais ou menos o que aconteceu com Dilma perante os plutocratas golpistas.
Ao contrário de 1964, os golpistas já em 2016 são forçados a conviver com a qualificação que lhes cabe, golpistas. E não há nada que a imprensa pode fazer.
Não adianta a Globo destacar em seus veículos, como hoje, que “juízes do STF” dizem que não é golpe. Você vai ler e descobre que se trata do decano do reacionarismo Celso de Mello e do velho militante político de direita Gilmar Mendes.
Golpe é golpe, e a Globo não vai mudar isso. É algo infinitamente maior que ela.
Há uma maravilhosa justiça poética em ver, de imediato, golpistas serem reconhecidos no Brasil e fora como o que são: golpistas. Ou, para usar a palavra dura e justa empregada por Jean Wyllys em seu histórico voto na Câmara, “canalhas”.