O gabinete de Toffoli é uma farmácia que só atende alguns pacientes. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 2 de fevereiro de 2019 às 10:01
Dias Toffoli. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Pego emprestada do ex-ministro da Justiça, o sempre combativo Eugênio Aragão, a alegoria que intitula esse artigo.

Trata-se de um contraponto a um argumento seu exposto recentemente por ocasião do despacho cínico e tardio do ministro do STF, Dias Toffoli, finalmente autorizando a liberação do ex-presidente Lula para se fazer presente ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá.

Aragão, condescendente com Toffoli e com a sobriedade que lhe é peculiar, explicava-nos em seu texto os meandros jurídicos e burocráticos pelos quais se rastejaram as tratativas legais para que, ao fim e ao cabo, Lula tivesse mais uma vez um direito garantido escandalosamente negado.

Pois bem! Após discorrer sobre as chicanas provocadas pela Juíza Carolina Lebbos, a PF e o TRF-4, Aragão enfatiza que o recurso da defesa de Lula só chegou ao STF depois da meia-noite do dia 29/01.

É a partir daí que Aragão pondera:

É razoável se admitir que o gabinete da presidência estava fechado e seus servidores gozando do merecido sono dos justos. No serviço público existe expediente e ele costuma se encerrar às 18:00 horas. Em gabinetes não tem hora para terminar, mas costuma se estender até lá para as 22:00 horas. Gabinete de ministro não é farmácia para ficar aberto vinte e quatro horas”.

Tudo seria de fato razoavelmente admissível se não estivéssemos falando de nossa República bananeira.

Prestadas essas considerações, ficou-se combinado que nesses termos – a despeito do prejuízo do direito que se exigia – não poderia ser considerado absurdo o fato de que a decisão de Toffoli só tenha sido despachada lá pelas onze e meia da manhã, minutos antes do caixão descer à sua sepultura.

Pois é! Desculpas foram dadas, lamentos foram entoados, Lula mais uma vez foi injustiçado e a vida seguiu o seu curso inapelável. Mas nada como um dia após o outro.

Finalmente iniciado o ano legislativo, a esculhambação que se viu no plenário do Senado Federal envergonharia o pardieiro de menor reputação do país.

Sob ameaças de agressões físicas e insultos impublicáveis, a eleição para a presidência da casa simplesmente se viu impraticável e acabou por ser adiada para as 11 horas deste sábado (2).

Instalada a celeuma de como se daria a votação (se por voto aberto ou fechado) aliados do candidato Renan Calheiros entraram com uma representação junto ao STF para que restasse garantido o voto secreto.

Aqui a coisa começa a ficar interessante.

Já batiam as doze badaladas da sexta (1) quando o pedido foi registrado na Suprema Corte. No que pese nesse momento já estarmos no fim de semana e com todos os servidores do STF “gozando o merecido sono dos justos”, eis que às 03:45 h. o proativo Dias Toffoli já determinava o voto secreto na votação do dia que ainda estava por raiar.

A justiça, como se vê, sabe ser célere quando assim lhe convém.

Dias Toffoli, que dormia tranquilamente mesmo sabendo do sofrimento que passava o presidente que o pôs no STF, não mediu sono nem esforços para apaziguar a balburdia de um Senado que não consegue sequer ter a civilidade e competência de exercer a primeira atividade de sua legislatura.

Resta provado que gabinete de ministro é sim uma farmácia que permanece aberta 24 horas por dia.

A única diferença é que, ao contrário desses estabelecimentos comerciais, não é todo paciente que pode ter acesso ao seu remédio.