As sessões recentes no Senado, graças à tensão gerada pelo golpe, têm sido marcada por debates cada vez mais vergonhosamente pessoalizados, desprezando-se, muitas vezes, as questões que de fato interessam ao povo brasileiro. Ao que a senhora atribui a vulgarização crescente dos debates no Senado?
Eu acho que ao acirramento da disputa política conjuntural. O acirramento que teve com toda essa movimentação, desde o final das eleições de 2014, coordenada, em primeiro lugar, pelo PSDB, que não aceitou o resultado das eleições, depois articulada com parte considerável da base do governo, principalmente do PMDB, que foi coordenado pelo Deputado Eduardo Cunha (que agora foi cassado), e isso tudo veio azedando muito as relações e o debate político.
Então, pessoalizou no sentido de ser PT contra a oposição, PT contra PSDB, e aí, não tem nível de debate.
Ou seja: ao invés de estarmos discutindo um projeto do Brasil, o que nos movia, o que de fato tinha importância para o desenvolvimento da economia brasileira, ficou-se discutindo que tinha que tirar a Presidenta Dilma porque ela era um entrave para o desenvolvimento do país, quando nós sabíamos que não era essa a solução. Que isso, na realidade, era parte de um golpe contra a Constituição Brasileira e contra a democracia.
Eu espero que os senadores – principalmente os senadores de quem eu posso falar, porque estão no meu convívio – possam elevar o nível do debate e que possamos qualificar, daqui pra frente, a nossa linha política de intervenção, que é o Fora Temer.
Por que nós queremos o Temer fora do governo? Porque ele não tem legitimidade, e não representa, portanto, os votos das urnas, o programa que foi eleito em 2014. Entrou de forma ilegítima na Presidência da República, e as propostas que ele está enviando para o Congresso Nacional são propostas que ferem de morte as conquistas que nós tivemos na Constituição de 1988 e todas as conquistas dos últimos 13 anos de governo Lula e Dilma.
Alguns veículos de imprensa noticiaram que a senhora fez um telefonema para Renan Calheiros para tentar desfazer o mal-estar após o episódio truculento no Senado. Essa ligação realmente existiu?
Eu liguei para o Senador Renan Calheiros para dizer a ele qual era o equívoco dele ao falar no Plenário do Senado sobre a intervenção que teve no Supremo Tribunal Federal. Ele não interveio para que eu não fosse indiciada e para que o Paulo Bernardo não fosse indiciado. Muito pelo contrário.
O Senado da República entrou com uma representação, fortalecendo uma ação com a qual eu já tinha entrada, para dizer que a Polícia Federal não pode indiciar Senadores da República. Que o início do processo junto ao Supremo tem que se dar pelo Ministério Público, ou seja, pela Procuradoria Geral da República.
Quando eu entrei com essa ação, eu comuniquei ao Senado e disse: isso é de interesse da casa.
Então, eu liguei para ele porque ele não me deu espaço para explicar no Plenário e deu uma informação errada.
Ele não falou comigo, não tem problema nenhum. Depois, acho que ele viu que tinha errado, pois soltou uma nota falando exatamente o que eu iria falar.
Durante uma discussão com o Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) a senhora mencionou o trabalho escravo numa colocação que não ficou muito clara. A senhora gostaria de falar sobre isso?
O Senador Caiado, no calor da discussão, e isso tem sido uma constante nas intervenções dele, passou a acusar-me, acusar outros senadores do PT, acusar o PT de várias questões. Eu quis dizer a ele que ele não tinha moral para fazer essas acusações, posto que ele já estava respondendo processo por trabalho escravo, e isso é público e notório. Talvez também no calor do debate eu não tenha conseguido colocar isso de forma tão explícita.
Como a senhora definiria as distinções mais relevantes entre o golpe de 2016 e o de 1964?
Do ponto de vista do apoio do Parlamento, quase não tivemos diferença, porque em 64 o Parlamento apoiou, aliás o próprio Congresso Nacional fechou suas portas para apoiar o Golpe. Aquela cena já ficou antológica e foi muito citada nesse processo de impeachment, em que Tancredo Neves chama o Presidente do Congresso, Moura Andrade, de “Canalha, canalha, canalha!”, porque ele estava fechando as portas do Congresso para apoiar os militares. Uma parte da sociedade mais conservadora também apoiou.
A diferença é que ao invés de ser o vice-presidente civil que tomou posse, foi uma junta militar. Houve violência e uma série de ações que visavam acabar de fato com a democracia, e já estamos vendo coisas parecidas acontecerem. O golpe de 2016 tem muito em comum com o de 64, só não tem tanques nas ruas.
Muitos uniram-se em torno do objetivo de destituir uma presidenta democraticamente eleita. Quem, entretanto, na sua opinião, seria a peça-chave do golpe e por que?
Eu não tenho dúvidas que a peça-chave do golpe foi Eduardo Cunha, estimulado pelo vice-presidente Michel Temer, que queria assumir a presidência. Óbvio que isso tudo foi embalado pela oposição, que, não se conformando em perder a eleição em 2014, desde que terminou o processo eleitoral, começou a atacar a presidenta.
As consequências mais previstas para o Brasil pós-golpe são o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores e o ataque aos programas sociais. Além disso, que outros prejuízos a senhora prevê para o país sob o julgo de Michel Temer?
A democracia, com certeza, sofrerá consequências graves, e as próprias instituições, porque a partir do momento em que o Congresso Nacional não respeitou a Constituição em relação ao seu sistema de governo, ou seja, o presidencialismo, nós colocamos a vulnerabilidade de várias outras instituições.
Se isso foi feito com a Dilma, pode ser feito com qualquer outro presidente, qualquer outro governador, qualquer outro prefeito. Isso relativiza o poder do voto popular.
Então, precisamos ficar muito atentos para que a gente não perca as grandes conquistas democráticas que nós tivemos e que dão à sociedade condições de lutar pelos seus direitos e avançar, exatamente em políticas melhores para os trabalhadores e políticas sociais.
A senhora acredita que o Brasil está enfrentando um golpe machista?
Também. Um golpe parlamentar e também um golpe machista. Eu não tenho dúvidas que o fato de a presidenta ser mulher ajudou muito a agilizar e dar condições para esse golpe se realizar.
A política é eminentemente masculina, tem dificuldades de lidar com as mulheres no exercício do poder. Chega a ser misógina. Tanto isso é verdade que nós vemos o nível conservador principalmente da Câmara dos Deputados. Se nós colocarmos qualquer matéria lá sobre direitos das mulheres, com certeza teremos retrocesso ao invés de avanços.
Qual a sua opinião sobre o indiciamento do ex-presidente Lula?
Em respeito a tudo o que ele representa para o povo brasileiro, eu considero esse indiciamento uma enorme e grave injustiça. Não há acusação, não há fatos, não há provas. O que se tem é uma campanha midiática de difamação, permitida, se não dirigida, pelo próprio Ministério Público. São meses de imputações falsas, absurdas e sem fundamento. O Ministério Público não poderia e nem deveria fazer essas acusações. Elas não estão sustentadas nem em fatos, nem em provas. Contudo, o Ministério Público as faz, porque escolheu o arbítrio e o abuso.
Que cada um assuma as responsabilidades. Esse indiciamento é uma violência exercida, e justamente contra o ex-presidente, para tentar impedir sua eleição em 2018. O que eles querem é a prisão preventiva do Lula para que ele não possa disputar as eleições.
Através de um golpe, tiraram Dilma. Agora querem atingir a maior liderança política popular brasileira. Ou seja: Vale tudo contra o PT. Só o PT é responsável pelas mazelas brasileiras.
Lula, Dona Marisa e todos os indiciados estão suportando uma inacreditável perseguição, e com extraordinária coragem. Nós sabemos o que tudo isso significa de sacrifício pessoal pro Lula e para todas as pessoas da sua família. Sabemos, também, de toda dor que nós, amigos, companheiros, aliados estamos sentindo.
Nossa solidariedade, Lula, a você, a sua família, e nosso repúdio a essa ação farcesca. Mais um golpe contra a nossa democracia.