A internet traz uma cultura de fragmentação que nos emburrece, diz o escritor Nicolas Carr
“O GOOGLE ESTÁ NOS tornando imbecis?”
Minha resposta é simples: não. Mas nem todo mundo pensa o mesmo. O jornalista e escritor Nicholas Carr, por exemplo. Foi ele o autor da pergunta que abre este artigo.
Carr tem credenciais impecáveis. Seus textos, que transitam pela cultura e pela tecnologia, são publicados em grandes veículos da mídia internacional. Uma espécie de antiguru, já esteve numa lista da respeitada revista eweek com as 100 pessoas mais influentes do mundo em TI. Para ele, a resposta àquela questão, formulada num controvertido ensaio escrito para a revista americana Atlantic, é sim, o Google está nos fazendo idiotas.
Suas ideias centrais estão agrupadas no livro: “Os Rasos — O Que A Internet Está Fazendo Com Nosso Cérebro”. Coisa boa não é, para ele. Carr acha que a internet traz uma cultura de brevidade e fragmentação que emburrece.
Ninguém lê textos longos, ninguém vê vídeos longos. Até as minisséries, no mundo digital, não têm mais que cinco minutos. A internet, afirma ele, é contrária pela própria natureza à profundidade. E onde não existe profundidade também não pode existir inteligência.
Carr vai buscar Ralph Emerson, o pensador americano, para defender seu ponto. Emerson dizia que, no fim, o esforço do escritor sério acabava sendo recompensado pela chegada do “leitor inteligente”. Tolstoi, por exemplo, num determinado momento seria lido pelo “leitor inteligente”. E então ele começaria a fazer história e a entrar para a história.
Agora não. Tolstoi, para continuar com Carr, permaneceria à mercê de leitores toscos. Ana Karenina seria descartado como um romance enorme, intransponível, com longas descrições, e não celebrado como uma pirâmide literária.
Carr parece ter a alma de um ludita, como ficaram conhecidas as pessoas que destruíam máquinas no começo da Revolução Industrial na Inglaterra, na esperança insana de preservar os empregos. A internet traz coisas muito boas e outras nem tanto. É sempre assim. Com o surgimento do automóvel, as pessoas começaram a morrer em acidentes de trânsito. Se não houvesse avião, ninguém morreria em desastres aéreos.
A internet facilita e estimula a aquisição e transmissão de conhecimento. É melhor viver sem Nicholas Carr do que sem o Google. Como pesquisar sem o Google? O próprio Carr usa, e bem, a internet. Tem um blog na prestigiosa Enciclopédia Britannica. Foi lá, por acaso, que conheci a ele e suas idéias. Vê-se, por aí, como é nebulosa ainda a compreensão da internet: Carr a ataca dentro dela mesma, numa relação paradoxal de amor e ódio, fascínio e medo.
Quanto a mim, acho velho o pensamento de Carr. É o conservadorismo de olhos arregalados a cada grande inovação.
O leitor inteligente sempre aparecerá para redimir o esforço do bom escritor. Com a internet a redenção é ainda mais simples: mais gente vai ler o escritor e, se ele for bom, será resgatado do meio da multidão. Se não for, não vai ser por culpa da internet.
Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 02 de junho de 2010.