Publicado originalmente no Jornalistas pela Democracia:
Por Moisés Mendes
Todo dia aparece alguma foto de jogadores da Europa vestindo camisetas contra o racismo, a xenofobia e o fascismo em geral. A mais recente é de jogadores da seleção da Alemanha.
Os alemães repetiram o protesto feito pela seleção norueguesa e apareceram esta semana, em jogo pelas eliminatórias, com camisetas pretas em que cada uma tinha uma letra.
Formaram as palavras human rights, em defesa dos direitos humanos dos operários que trabalham em condições de escravidão no Qatar, nas obras para a Copa do Mundo de 2022.
Aqui no Brasil não temos nada parecido desde o tempo da ditadura, quando os jogadores eram mais valentes. E não temos apenas por causa da alienação e da ignorância. O jogador brasileiro sabe muito bem o que acontece no mundo na área em que atua.
Dirigentes e jogadores brasileiros não fazem nada por covardia. Mais do que alienados, são covardes. A origem do jogador brasileiro é quase sempre de pobreza e miséria, na maioria dos casos.
Mas são os brancos europeus que protestam contra a situação dos refugiados (há muitos jogadores de famílias de migrantes africanos na Europa) e de vítimas de escravidão e discriminação. Há três negros na foto da seleção alemã.
O futebol brasileiro, dos dirigentes aos atletas e passando pelas torcidas e pela mídia das grandes corporações, é uma estrutura de figuras incapazes de expressar empatia, solidariedade e sentimento de engajamento às grandes causas da humanidade.
Estruturas e ambientes do futebol foram politizados pela extrema direita. Dirigentes e jogadores, quando falam de questões políticas, manifestam-se à direita da direita.
É preciso politizar o futebol pela esquerda. Sim, politizar mesmo, com gestos fortes. Como Reinaldo, atacante do Atlético Mineiro, fazia com o punho erguido contra a ditadura nos anos 70.
É preciso que também aqui sejam exibidas camisetas contra o racismo e contra neonazistas. O futebol precisa ser politizado pelos humanistas, para que não continue sendo sequestrado apenas pelos adoradores de Bolsonaro, como é o técnico do Grêmio.
O futebol precisa de mais vozes poderosas como a do técnico do Internacional, Miguel Ángel Ramírez.
No início de março, quando o espanhol chegou ao Internacional, vindo do Equador, vi no perfil do jornalista Thiago Suman, no Facebook, a resposta de Ramírez a uma pergunta do próprio Thiago sobre xenofobia.
A resposta revela a capacidade de oferecer uma reflexão com profundidade. É uma luz surpreendente (porque não o conhecemos), num ambiente de mediocridades, de pensamento raso, da repetição de bobagens como os enjoativos mimimis de Renato Portaluppi.
Ramírez é de uma lucidez impactante. Apresento aqui no texto um resumo do que ele disse. Mas o que deve ser visto mesmo é o vídeo em que ele responde à pergunta de Thiago Suman, que está no link ao final do texto.
Eis o que disse o técnico:
“Creio que no geral o ser humano tem um lado obscuro. Eu vivi em uma ilha muito perto da África e vinham muitos imigrantes africanos até a costa buscando uma vida melhor. E há muitas pessoas que se sentem donos do território da ilha e rechaçam quem chega. Como se, por terem nascido nessa ilha, possam ser donos da ilha ou superiores aos que chegam. Eu tive a sorte de ser imigrante também e ser acolhido nos países em que estive. Mas eu também procurei me integrar a respeitar cada país em que estive…” (e segue o depoimento)”.
O espanhol é da ilha de Las Palmas, que fica ao lado do Marrocos. É de lá que vem o que não temos aqui, com essa lucidez rara, que vai incomodar muitos reacionários.