De tudo que fez pela arte brasileira, Zé Celso será lembrado, também, por desmascarar Silvio Santos.
Durante mais de 40 anos, os dois brigaram por causa da área onde está localizado o Teatro Oficina, em São Paulo. Fundado em 1958, o prédio reformado por Lina Bo Bardi foi tombado pelo Condephaat em 1981.
Dono de um terreno nos arredores no bairro do Bixiga, Silvio pretendia construir um edifício e Zé Celso levou o caso para a Justiça, alegando, corretamente, que o empreendimento prejudicaria o teatro.
Em agosto de 2017, eles tiveram uma reunião mediada pelo então prefeito de São Paulo João Dória e o vereador Eduardo Suplicy para tentar uma solução.
O vídeo do encontro, divulgado pela turma de Zé Celso, incomodou Silvio porque expôs sua verdadeira face. O momento mais revelador do colóquio é quando Zé lhe cobra generosidade ou algum senso de responsabilidade pública.
— Você é um homem super-rico, supergeneroso!, diz o dramaturgo.
— Eu tenho culpa de ser rico? Eu dei sorte, e daí? Você não deu ainda, problema teu, responde Silvio.
— A gente tem que pensar na cidade, cara. Eu tenho 80 anos e ele tem mais do que eu [Silvio tinha 86]. Daqui a pouco a gente some do mapa. No entanto, a cidade fica. Você sabe disso.
— Eu não quero morrer. Não vou morrer, devolve o apresentador, enquanto os circunstantes se divertem.
Zé Celso estava apelando para um sentimento que seu interlocutor não tem: o de que ele deveria devolver — ao menos pensar em devolver — ao lugar que o acolheu uma parte da fortuna que amealhou ali.
Em Nova York, para ficar apenas num exemplo, a sede da ONU está num terreno doado por John D. Rockefeller.
Mas Silvio é de outra cepa. Prefere se afundar numa grana que não vai usar e erguer “torres residenciais”.
O sujeito que aparece naquela reunião é o SS da vida real. Não o bufão do domingo, mas um milionário ordinário cujo única motivação é colecionar moedinhas e não morrer.
Aos domigos, com sua peruca, uma certa incontinência verbal, o carisma, a nostalgia, é fácil esquecer que ele apoiou Figueireido, Bolsonaro e ajudou a tornar um país mais burro e mais reacionário.
Quem morreu foi seu inimigo — o poeta que o desmascarou e, agora, é imortal.