Durante os últimos sete meses o Brasil – e o mundo – foram obrigados a assistir de um tudo em matéria de má-educação, desrespeito, xenofobia, racismo e intolerância vindos do homem que ocupa o mais importante cargo desta nação.
Para além da extensa pauta de ataques aos trabalhadores, aos programas assistenciais e às políticas de inclusão social sempre a tiracolo dos representantes de ocasião do grande capital, com Jair Bolsonaro, especificamente, à costumeira tragédia socioeconômica das políticas vinculadas ao liberalismo tupiniquim, soma-se o seu especial desprezo por tudo aquilo que seja minimamente republicano, democrático e humano.
O indivíduo simplesmente desconhece os mais básicos princípios de civilidade. Ignora solenemente o que venha a ser o dever institucional do cargo que ocupa. Menospreza indisfarçadamente todo e qualquer conceito de urbanidade.
Como que orgulhoso da própria estupidez, parece esforçar-se diariamente para superar todos os limites da dignidade humana numa verdadeira cruzada em favor da barbárie.
E foi nesse esforço diário de flagelo e impassibilidade ao outro que Bolsonaro chegou ao absurdo de no intuito de atacar a OAB e o seu presidente, Felipe Santa Cruz, recorreu ao inominável expediente de ultrajar a memória de seu pai brutalmente torturado e assassinado nos porões da ditadura militar.
Uma crueldade assombrosa.
Um ato que de tão vil mereceu repúdio imediato não só da oposição, mas de aliados de primeira ordem.
E com o país inteiro bestificado, não demorou para que a tese do impeachment viesse novamente à tona. E com ela, naturalmente, uma profunda discussão no campo da esquerda da sua viabilidade e, sobretudo, serventia no atual cenário político.
Razões para que a esquerda não levante essa bandeira abundam e possuem, todas elas, sólidos argumentos que fundamentam sua defesa.
Absolutamente ninguém ignora o fato de que a prática do impeachment serviu historicamente aos exclusivos interesses da elite. Da mesma forma, ninguém desconsidera que Jair Bolsonaro é um problema criado pela direita e, como tal, deve ser resolvido por quem o pariu.
Ainda nessa linha, uma vez que a cassação da chapa e a realização de novas eleições pelos crimes cometidos na campanha – esse sim o verdadeiro caminho para a retomada da democracia – encontra-se sinceramente fora de questão, equivale dizer que a saída de Bolsonaro representaria a ascensão de Mourão à presidência, um sujeito infinitamente mais preparado a conduzir basicamente o mesmo pacote de atrocidades imposto pelo mercado.
São, como explicado, razões mais do que suficientes para que a esquerda não embarque nessa canoa que no fim, invariavelmente, sempre acaba por deixar a própria democracia sempre um pouco mais à deriva.
Dito isso, outras questões precisam ser postas à mesa.
Antes de mais nada é preciso afastarmos a ideia de “banalização” do impeachment.
Defender a deposição de Bolsonaro encontra claros e rígidos fundamentos legais, muito ao contrário, nunca é demais dizer, do que aconteceu com a ex-presidenta Dilma Rousseff.
E apenas para ficarmos num único exemplo, basta mencionarmos o artigo 9º da Lei 1.079 que trata de crimes de responsabilidade. Lê-se:
“É crime de responsabilidade contra a probidade na administração proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”
Só por aí Bolsonaro merece, pelo cumprimento da lei, ser expurgado sumariamente da vida pública.
Mas o caso que ora vem à discussão vai muito além das questões legais. E aqui chego ao ponto fundamental desta tese. O impeachment de Jair Bolsonaro já não cabe mais unicamente na seara política.
Expulsar Jair Bolsonaro da presidência da República tornou-se uma imposição da histórica defesa da soberania nacional, da autodeterminação dos povos da América do Sul e, principalmente, da dignidade humana.
É preciso deixarmos claro que Bolsonaro não é só um péssimo presidente. Ele hoje representa uma ameaça real a todos os avanços sociais conquistados no decorrer dos séculos às custas de muita luta.
Jair Bolsonaro carrega em si a essência dos “princípios” que tornaram possíveis a existência de excrescências como a escravidão, o apartheid e o nazismo.
A cada minuto que esse homem permanece como chefe de Estado deste país, nos apequenamos enquanto nação e nos diminuímos enquanto seres humanos.
Sua saída, estamos todos cientes, não representa absolutamente nenhuma vantagem no combate aos retrocessos que nos estão sendo impostos, mas, sem sombra de dúvidas, representa um enorme avanço civilizatório.
É preciso mostrarmos ao mundo que apesar de termos sucumbido à tragédia anunciada de sua eleição, ainda somos humanos e dignos o suficiente para não deixarmos que o seu terror e a sua crueldade nos humilhe e nos destrua.