Talvez haja um pecado maior no Brasil do que ser o Lula: ter algum grau de parentesco com o Lula, real ou fictício.
Marcelo Rúbio Lima Gomes, de 36 anos, o “Pernão”, morreu assassinado com três tiros em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá, no domingo, 17.
O autor dos disparos foi identificado como Marcelo Machione Mendes Faria. De acordo com a Tribuna de Santos, a vítima “é filho de um irmão de Lula por parte de pai”, informação dada pela polícia e destacada no título.
O G1, num primeiro momento, saiu com “Sobrinho de Lula é assassinado em Guarujá; polícia identifica o suspeito”. A manchete foi alterada para algo mais cuidadoso posteriormente: “Homem é assassinado em Guarujá”.
O Instituto Lula não se manifestou ainda sobre o parentesco. Não importa mais, na verdade.
Atraídos por sangue como urubus e por lixo como moscas, fascistas saíram com seus tacapes para linchar o cadáver e o óbvio tio do cadáver. A seção de comentários do G1, que normalmente é uma cloaca, galgou novos parâmetros, como gostava o saudoso Sebastião Lazaroni.
Até o momento em que escrevo, são 500 deles. Alguns exemplos: “Menos um molusco canalha no mundo”; “Menos um dessa família nefasta…que matem mais”. O mais votado, de “Ricardo Doutrinador”:
Um site de extrema direita, com o nome estúpido de Reaçonaria, serviu esse filé no Twitter para seu público: “O bar de periferia em que morreu o sobrinho de Lula fica a 8km do triplex da família Lula em Guarujá”. (!!?!)
Na “matéria” sobre o caso: “Um assassinato cometido no último domingo e tratado sob forte sigilo acaba de ser explicado.” O homicídio sob forte sigilo foi solucionado em dois dias.
O massacre continuará por um bom tempo. A partir de hoje, Marcelo é obrigatoriamente sangue do sangue de Lula e, a depender da psicopatia do interlocutor, sócio da Friboi vitimado por queima de arquivo.
Onde erramos?
O professor Vladimir Satatle deu uma entrevista para o programa do DCM na TVT (a minha preferida da série, eu confesso). Safatle aponta que a sociedade brasileira sofreu uma ruptura irreversível nos últimos anos, especialmente no pós golpe.
Como conviver com os vagabundos gerados nesse fascismo rastaquera? “Nós não vivemos no mesmo país, apenas ocupamos o mesmo espaço”, diz ele. “Estamos em campos completamente opostos, temos antagonismos insuperáveis. Existem divisões. Não há nada que nos una”.
Nada que nos una. Reconhecer que não somos irmãos pode ser triste, mas libertador. Lembre-se disso quando essa explosão de ódio sair do sofá e fugir para a vida real sem que você ou ninguém tivesse feito nada para contê-la.