Transformar confusão em clareza.
Nada é tão importante para um editor, ou para uma publicação. Todos os diretores de redação deveriam ter isso gravado na mente: seu maior desafio é fazer textos complexos serem compreendidos facilmente, sem perda de profundidade.
Grandes revistas estrangeiras colocam esse enunciado, sob diferentes formas, em sua missão. Quando achei que era hora de formalizar uma missão que ajudasse a nortear os jornalistas da Época, em meus anos de diretor editorial da Editora Globo, pedi uma pesquisa sobre o tema. A pesquisa mostrou o quanto a preocupação com a clareza era forte em publicações como a The Economist ou a Time. Na missão isso ficava exposto.
De tempos em tempos, os editores são submetidos a uma prova nessa área. Lembro quando surgiu, pela primeira vez em alta escala, a expressão “pré-sal”, com a descoberta de novos campos petrolíferos. Decidimos dar capa na Época. Como diretor editorial, eu acompanhava a essência de toda edição. Lia, já pronta, a matéria de capa, por exemplo, a tempo de fazer ou solicitar alguma mudança.
Quando chegou a mim a capa do pré-sal, duas horas antes de a revista fechar, o que significa ir para a gráfica, tive um momento de cavo desânimo e sincera irritação. Um dos autores deixou escapar um riso — nervoso, acho — na conversa. “Você está rindo do quê?”, perguntei. Eu começara a ler o texto sabendo muito pouco sobre o pré-sal. No decorrer da leitura, o pouco que eu sabia foi sendo engolfado por uma sucessão de dúvidas.
Pobre leitor.
Falháramos na missão de transformar confusão em clareza. Foi o ponto central de minha admoestação aos autores do texto, em geral brilhantes. Eles próprios não tinham clareza sobre o tema. Assim, não podiam transmitir o que ignoravam. Houve um erro de procedimento deles. Em assuntos complexos, os jornalistas têm que se socorrer de uma fonte gabaritada que os ajude a entender – claramente — o assunto. O apoio dessa fonte – de toda área, saúde ou economia, tecnologia ou física, e assim por ediante – será transmitido ao leitor. O jornalista não é obrigado a saber de tudo. Mas na hora de fazer um texto tem que saber o fundamental sobre aquilo que está escrevendo – e passar isso com clareza para o leitor.
Muitas vezes existe um complô do editor e do repórter em que o perdedor é o leitor. O repórter finge que sabe um assunto espinhoso que surgiu. O editor finge que sabe que o repórter sabe. E o leitor paga a conta de um texto confuso.
A cobertura financeira é rica em complôs contra quem lê. A quebra do banco de Sílvio Santos, o Panamericano, é um caso clássico. A obbudsman da Folha, Suzana Singer, fez um bom texto sobre isso. Relatou o caso de um leitor que indagava, impotente, se o jornal não poderia produzir textos mais claros.
Poder pode. Aliás, deve. Mas nem sempre consegue.
Nessas ocasiões, o leitor deveria receber o dinheiro de volta. Caso isso acontecesse, a confusão seria transformada em clareza com muito mais frequência.