O atentado terrorista ocorrido em Brasília é o mais grave episódio extremista desde a implantação da Nova República. Gravíssimo. Vejamos quem o motiva e como opera nas mentes de fanáticos.
Toda prática terrorista, de inspiração bolsonarista, opera a partir de situações e organizações muito claras. A primeira delas é o ambiente de excitação política e punitivista. Este é o primeiro passo.
O bolsonarismo, como todo movimento fascista, viceja sobre uma ambiente de excitação que, no caso brasileiro, se apoiou numa violenta campanha de difamação e mobilização agressiva da sociedade brasileira sob o mote do combate à corrupção.
Frações do Ministério Público, do Judiciário e, principalmente, da grande imprensa, se alinharam para atacar e julgar prematuramente lideranças, autoridades públicas, partidos e empresas.
O prêmio Nobel, Daniel Kahneman denominou de “heurística disponível” o movimento de aproximação da realidade por mera intuição que vai se constituindo como verdade absoluta.
A “heurística disponível” se baseia numa quase crença a despeito de nossa consciência, muitas vezes por repercussão insistente da mídia. Kahneman sugere que o que a mídia decide cobrir corresponde à opinião que tem sobre o que se passa na cabeça do público, o que intui.
E, assim, cria-se um círculo vicioso nascido de uma mera intuição da mídia que descarrega interpretações sobre fatos ainda em andamento que, por seu turno, criam um ambiente de certeza e indignação popular.
O segundo elemento central da base terrorista bolsonarista apareceu em 2015: a criação de associações comunitárias que se transformaram em câmaras de eco permanentes. Os grupos de Whatsapp, Telegram e os “sites profundos”, de acesso seletivo, geraram um viés de confirmação.
Das câmaras de eco surge o disparador psíquico do líder apocalíptico fascista. Somente nessas condições que Jair Bolsonaro e seu governo conseguiram repercussão de massa porque já estavam instaladas as condições básicas – organizativas e emocionais – para seus movimentos.
Entendamos, agora, como se opera o terrorismo bolsonarista. O terrorismo se baseia no caos e na violência. Mas, a natureza estocástica dos tempos atuais só ocorre porque se fundamenta justamente no ambiente de excitação fanática e nas câmaras de eco de caráter comunitário.
O movimento terrorista ocorre quando o líder apocalíptico fascista dispara uma ordem implícita para a ação violenta. Uma sugestão disposta numa frase solta como a proferida por Jair Bolsonaro ao dizer “vocês sabem o que fazer”. A frase rebate na miríade de câmaras de eco.
As câmaras de eco levam à exasperação dos membros dos grupos virtuais mais fanáticos que partem para a prática. Na última semana de governo de Jair Bolsonaro, foi exatamente este movimento que ocorreu diante dos olhos atônitos dos brasileiros.
Um desconhecido comerciante residente em Belém (PA), viajou para Brasília e se incorporou a um acampamento bolsonarista em frente ao Quartel General do Exército. George Washington Oliveira Sousa, de 54 anos, tem registro de caçador, atirador e colecionador de armas (CAC).
Ex-paraquedista e apoiador radical de Bolsonaro, disse que foi estimulado pelas falas do Presidente para, então, agir. Viajou de Belém para Brasília e se instalou acampamento criado no dia em que Lula foi declarado eleito Presidente, com o objetivo de impedir sua posse.
George Washington confessou que se reuniu com outros bolsonaristas fanáticos numa das tendas do acampamento de Brasília e conspirou, arquitetando uma atentado terrorista.
Em depoimento à Polícia Civil do DF, afirmou que gastou R$ 170 mil com armas para organizar um possível levante organizado na cidade e que, de fato, montou um artefato explosivo numa área de acesso ao Aeroporto Internacional de Brasília e pretendia plantar outro explosivo.
Este é o movimento clássico do terrorismo estocástico: motivados por um disparador psíquico proferido pelo líder fascista, um fanático solitário decide agir por conta própria. O discurso inicial não cria uma cadeia organizada e coletiva, mas repercute em câmaras de eco.
Resumindo: o terrorismo bolsonarista existe a partir do ambiente de excitação política e da sana punitivista; pela incitação psíquica e na lavagem cerebral que ocorrem nos grupos virtuais que se transformam em câmaras de eco. Existe porque há uma fina orquestração em curso.
Termino este fio com duas ponderações. A primeira, se refere à alma brasileira. Há algo instalado na visão de mundo dos brasileiros que nos impede de adotar parâmetros que possam acionar alertas de gravidade política.
Há certa negligência de nossa parte em perceber o alto risco político. De 2015 para cá, vivemos uma escalada extremista que não chegou a ser identificada como tal pela quase totalidade das nossas instituições.
A grande imprensa brasileira nunca soube denominar Jair Bolsonaro de líder da extrema-direita como é identificado pela imprensa internacional. No máximo, o denomina de radical ou populista de direita, termos que nem chegam a ser um eufemismo, dada a doçura do tratamento.
A segunda ponderação diz respeito ao entranhamento do ideário fascista nas instituições nacionais, em especial, as vinculadas à segurança pública e nacional, como as Policiais Federais e o Exército.
Somente nos anos 1930, com o advento do integralismo, o primeiro movimento fascista de massas em nosso país, as Forças Armadas se envolveram com tal engajamento numa aventura extremista como agora.
A desmontagem da lavagem cerebral pela qual tais corporações passaram é quase um Mito de Sísifo. Não será tarefa fácil desprivatizar as instituições de segurança nacional, reestabelecendo o princípio da universalidade e impessoalidade do serviço público.
Tarefa hercúlea para superarmos o terraplanismo e retornarmos à circularidade da vida neste planeta. Acreditávamos termos sido escolhidos por Deus, bonitos por natureza. No momento, a imagem refletida em nossos espelhos desmente o desejo de Jorge Ben Jor.
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