Clap, clap, clap.
De pé.
O médico norueguês Mads Gilbert, 67 anos, é um foco tocante, inspirador, soberbo de luz no cenário desolador de Gaza.
Você olha para Gilbert e recupera, ao menos parcialmente, a fé na humanidade.
Gilbert presta serviços voluntários num hospital de Gaza. É um hospital precário e extraordinariamente ativo, dadas as circunstâncias.
Como disse Gilbert, os equipamentos ali poderiam estar num museu nas grandes cidades ocidentais.
Gilbert chamou a atenção, nestes dias, ao mandar uma carta aberta ao presidente Barack Obama.
Convidou-o a passar uma noite, “uma só noite”, no hospital. Disfarçado como homem de limpeza, sugeriu.
Para Gilbert, qualquer pessoa que tiver coração e poder colocará fim à matança de Gaza.
Poder ele sabe que Obama tem. Coração, ele não sabe ao certo. Na carta, ele pergunta: “Você tem coração?”
Os depoimentos de Gilbert sobre Gaza dizem quase tanto quanto as fotos que chegam a nós.
Ele elogia entusiasmadamente as pessoas que trabalham no hospital: enfermeiros, motoristas de ambulâncias, demais médicos. Ninguém se queixa, ninguém desiste. Todos fazem o seu serviço, em jornadas de trabalho que podem chegar a 24 horas.
Povo valente o palestino, testemunha ele.
Quanto a si próprio, Gilbert confessa que muitas vezes tem vontade de abraçar, confortar, acalentar as crianças ensanguentadas que chegam ao hospital – e gritar.
Mas a firmeza que vê a seu redor lhe dá forças para, também ele, trabalhar.
Gilbert tem suas crianças: dois netos. Ele enviuvou do primeiro casamento, teve uma relação forte depois e hoje está solteiro, ou casado com a causa humanitária que o levou a Gaza.
Ele é natural de uma terra cuja cultura é o exato oposto do que existe no Oriente Médio.
Na Noruega, vigora o que se conhece como “Janteloven”, ou Leis de Jante. Jante é uma cidade imaginária criada por um romancista nórdico décadas atrás.
Em Jante, existem regras. A principal delas é a que determina que você não é melhor que ninguém, e nem pior.
O doutor não é melhor que o lixeiro. O presidente de uma empresa não é melhor que o contínuo.
Isto é a “Janteloven”, base do igualitarismo social que é marca da Escandinávia – e uma referência permanente para nós do DCM.
Onde Gilbert está, o que impera é o anti-Janteloven. O cidadão israelense é tudo, e o palestino nada.
Obama não vai aceitar o convite do médico norueguês. Irá lê-la? Talvez, em escassos segundos.
Mas sonhemos por um segundo: e se Obama topasse a ideia de Gilbert e passasse uma noite no hospital de Gaza, disfarçado?
No mundo das coisas reais, é difícil acreditar que um homem, mesmo chamado Barack Obama, tivesse poder suficiente para alterar as coisas em Gaza.
Mas, de todo jeito, é bom ver alguém que, como Mads Gilbert, ainda consegue sonhar no pesadelo de Gaza – ao mesmo tempo em que trabalha, e trabalha, e trabalha.