É impressionante, para não dizer patético, como a mente de um fascista opera em tempos de likes e tuítes.
Um governo assim, acomodado em sua covarde virtualidade, está pisando sempre em ovos porque, pelo mesmo motivo com que se elegeu – a base de mentiras e muita hipocrisia digital – , sabe, como ninguém, o poder das redes sociais para aviltar uma reputação. Esse é o medo latente do qual padecem, cientes de que, a qualquer momento, podem experimentar o amargor da própria peçonha.
Para que esse medo não se rompa como mais uma barragem de rejeitos, causando ainda mais impopularidade aos fascistas de plantão, ele deve ser constantemente monitorado. Por isso, no campo mais caro à coerção ideológica como é o caso do Ministério da Educação, o presidente da República se outorga o direito de demitir um ministro inútil para nomear outro igualmente medíocre, ambos sem qualquer conhecimento técnico na área para a qual foram nomeados. Tamanha incompetência só pode ser compreendida como descaso perversamente premeditado.
No entanto, em uma nação com índices de aprendizado tão lamentáveis como o Brasil, volteios nefastos dessa natureza deveriam ser enquadrados como crime, com pena de reclusão, a fim de refrear tamanho perigo a tanto retrocesso. Incluindo-se aí o corte igualmente calamitoso no orçamento à cultura, que inevitavelmente acarretará em fechamento de bibliotecas públicas, museus, além de mitigar parte considerável do financiamento a qualquer programa que não condiga a projetos emanados do quartel que se tornou o palácio da Alvorada.
O último desses retrocessos se deu com a declaração do recém-empossado ministro da educação, Abraham Weintraub, outorgando-se o direito de dizer que universidades do nordeste não deveriam oferecer cursos como sociologia e filosofia. A equipe, temerosa, está afiada para não largar o osso do MEC sem antes moldá-lo como órgão submisso a um constante aparelhamento ideológico. O Enem há muito está na mira da censura prévia de suas questões.
Não é de hoje que as ciências humanas causam temor em mentes que preconizam políticas públicas controversas ao direito constitucional à adversidade civil. Só mesmo um governo medíocre e igualmente corrupto, como o de Bolsonaro, pode ter medo daquilo que professores devem ou não ensinar em sala de aula.
O professor, para essa gangue reacionária, só pode ser concebido como um oficial subalterno que precisa estar armado, sempre armado, contra psicopatas que, ao fim, se retroalimentam das ideias mais torpes preconizadas pelo próprio governo. Para este, é muito mais efetivo que um professor gaste seu tempo em clubes de tiro, para quem sabe assim não acertar a testa da criança errada num próximo massacre escolar, do que despender horas inúteis em pesquisas acadêmicas e pedagógicas.
Nessa inversão de papéis, não se pode chamar de mera coincidência a chacina na escola de Suzano, em que os garotos responsáveis pelos disparos seguiam contas obscuras como Bolsonaro Opressor 2.0, compartilhando inúmeras imagens do presidente, além de frequentarem fóruns de extrema-direita com dicas de extermínio a comunidades LGBTs, negros e comunistas.
A nomeação de uma tão despreparada quanto lunática ministra para comandar a pasta dos Direitos Humanos, da Família e da Mulher também fala por si só. Os delírios exuberantes de Damares Alves, numa verborragia alucinada que metaforiza tiros de fuzis lançados para todos os lados, procura assim agraciar as diversas vertentes que compõe a bancada da bíblia. A mesma corja que o governo necessita, desesperadamente, para aprovar suas ideias cada vez mais tacanhas.
No entanto, todo esse circo de horrores não se sustentaria sem o seu público cativo, ainda que em franco declínio. Por isso, em muitos casos, o mecanismo psicológico por trás de mentes mancomunadas com ideias reacionárias, faz com que boa parte de seus seguidores virtuais, para não se verem alvos de má reputação em suas próprias timelines, optem por não se assumirem como conservadoras, com todas as letras maiúsculas, enquanto calam as suas panelas.
Para entender melhor esse fenômeno, quando Freud escreveu seu livro A Psicologia das Massas (1921), com o intuito de também explicar a preocupante aceitação do povo alemão às incipientes ideias nazistas da época, ele teorizou sobre o mecanismo psicológico que age, sempre na surdina, na mente de tais asseclas.
Ao invés de esses assumirem aos outros, sobretudo a si mesmos, qualquer identificação moral com as barbaridades apregoadas por uma mente tão demoníaca quanto a de Hitler, que exaltava a violência, o machismo, a tortura, a homofobia, o racismo e o genocídio como forma de expurgar todo tipo de entrave ao seu projeto de dominação, compreenderam, por fim, que seria muito mais fácil execrar um bode expiatório – no caso os judeus – e, com isso, cegarem-se ao fato de que seus valores éticos sempre estiveram, de um modo ou de outro, lastreados por pensamentos igualmente hediondos. Fica fácil assim compreender como o PT tornou-se o bode expiatório da vez, como se este fosse o único partido responsável à corrupção endêmica que há séculos assola este país.
Apontar tanta dissimulação não é, como se poderia pensar, uma questão de torcer contra o novo governo. É tão somente reconhecer, com um mínimo de humanismo, que qualquer uma das propostas até agora elencadas não pode, em hipótese alguma, dar certo justamente por estarem embasadas apenas em preconceitos. Mas é isto, afinal, o que compõe a arenga mais básica de um fascista. E que, até o momento, foi seguida à risca por um presidente que, ao invés de comungar pela união do povo, insiste pregar o ódio e a intolerância como lema nacional.
Porém, numa época em que muito do ativismo político se resumiu a cliques raivosos, mas ainda com potencial de levar o governo a provar do próprio veneno, seu séquito vai finalmente se acuando por postagens que cobram desde a autoria da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes ao incrível sumiço de Queiroz. E, nesse ínterim, acabam por se divertir com memes que retratam, com maestria renascentista, a cara de ditador paspalho de um presidente tão inapto para o cargo como, aliás, o próprio já se autodeclarou.
Ricardo Bellissimo é escritor, jornalista e historiador, autor dos livros “Sufoco” e “Negro Amor”, entre outros.