Publicado originalmente no site TP.
POR GUTIERRES FERNANDES SIQUEIRA
A simplificação como o evangélico é tratado na figura de eleitor impressiona. De um lado há os pastores oportunistas que julgam possuir capital político para determinar o voto de suas ovelhas. De outro lado há analistas e cientistas sociais que veem os evangélicos como massa de manobra fácil de ser manipulada. É uma derivação da velha e equivocada doutrina da tabula rasa. A verdade é que os pastores só podem falar por si, assim como os eleitores evangélicos trabalham diversos fatores no voto efetivo. O voto evangélico não é simplista.
O “povo não sabe votar” é a opinião corrente entre grupos de direita, esquerda e também dos anarquistas radicais como black blocs. A bem da verdade é que o voto costuma ser muito racional. Veja que desde a democratização em 1985 nenhum candidato majoritário ganhou com um discurso de ódio, radicalismos, propondo moratória da dívida ou apostando apenas em minorias. O voto brasileiro, mesmo quando dedicado a candidatos à esquerda do espectro político, aponta para uma acomodação conservadora. É a política da prudência. O maior grupo político no Brasil não é o extremo, mas o centro.
O chamado “voto evangélico” é uma abstração. Evidente que entre os evangélicos é possível perceber como os costumes sociais são importantes para a decisão de voto. Agora, repito, não é e nunca foi o principal fator. Em 2008 o principal ministério das Assembleias de Deus em São Paulo apoiava abertamente o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) contra ex-prefeita Marta Suplicy (PT).
Numa reunião um pastor falava da importância de votar em Kassab contra a agenda LGBT da senhora Suplicy – papo furado, mas era necessário algum discurso. No final daquela reunião muitos diziam que iam continuar a votar em Marta Suplicy, que na ocasião era popular na periferia de São Paulo, e um dos jovens justificava o voto na petista: “Ela prometeu internet grátis nas praças”. Veja que para aquele jovem evangélico a agenda populista da internet “grátis” era mais importante do que a agenda dos costumes.
O evangélico não é nenhum perigo para a democracia brasileira. Os evangélicos, em geral, não são fundamentalistas, ou seja, não querem subjulgar as instituições do Estado brasileiro ao cristianismo protestante. Grupos defensores de uma espécie de teocracia (teonomia, na linguagem teológica) representam uma minoria. A acomodação secularista do protestantismo impede qualquer adesismo religioso ao Estado. O evangélico é sim conservador, como é a sociedade brasileira. É um conservadorismo um tanto estranho, é verdade, porque abraça com afinco o Estado de bem-estar social. Não é nenhum Tea Party. O conservadorismo também não representa necessariamente perigo à democracia e o nosso país é um exemplo nesse sentido: toda minoria tem espaço de reinvindicações fora da proporção de sua própria população- o que é natural numa democracia sólida.
E outra, na eleição de 2006, a bancada evangélica foi afetada em cheio pela repercussão do escândalo da “Máfia das Sanguessugas”, um esquema irregular e imoral de desvio de recursos públicos, especialmente da saúde, por meio da apresentação de emendas parlamentares ao Orçamento. Entre os 72 deputados envolvidos, a maioria da base aliada do governo Lula, os evangélicos eram 28. Nenhum se reelegeu na eleição daquele ano. Isso mesmo, nenhum deputado evangélico envolvido no escândalo foi reeleito. Povo manipulável?
A Assembleia de Deus por meio da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) quer montar um partido político. Essa notícia teve até chamada de capa no jornal Valor Econômico de hoje, embora essa história já é do conhecimento da membresia há 15 dias. E não é a primeira vez que a CGADB faz essa tentativa, pois em 2008/2009 também houve pedidos de assinaturas para a formação de um partido.
O nome do partido? Previamente é descrito como Partido da Democracia Direta (PDD). Péssima escolha de nome e espero que não reflita numa ideologia que despreze as instituições legislativas. O recolhimento de assinaturas já começou nas congregações e a justificativa é: a Convenção quer maior controle sobre os candidatos que se identificam como parte da denominação. O fato é que depois da criação do PSD com a garantia do fundo partidário pelo Supremo Tribunal Federal (STF) começou uma corrida maluca pela criação de novos partido, ou seja, novas bocas para a União. Hoje, também, administrar um partido político é um bom, aliás, um ótimo negócio.
Outra observação: os nossos interlocutores políticos são mal preparados. O pastor Lélis Marinho, presidente do conselho político da CGADB, infelizmente manifestou opiniões sem estrutura em entrevista ao jornal Valor Econômico. Sobre Marina Silva ele disse: “Vejo a ascensão de Marina como um avanço. É uma possibilidade de diálogo com o governo dentro de outro ponto de vista, mas com ela ainda estamos estabelecendo um diálogo. É curioso, mas temos que buscar interlocução com uma de nossas seguidoras. Ela não assumiu compromissos”.
Ora, isso deveria ser exaltado por ele como maturidade da candidata que é membro da Assembleia de Deus. Ao que parece há alguma lamentação por Marina não será, digamos, tão aberta à igreja. Outra frase infeliz: “Somos a favor do Estado laico, mas um governante precisa ser alguém que tema a Deus. A falta de crença faz toda a diferença”. Como assim? Desde quando na Nova Aliança Deus exige que um governante seja um fiel? É ignorância bíblica, teológica e política. É bom lembrar que os pais fundadores dos Estados Unidos, exaltados por um suposto cristianismo, eram em sua maioria deístas.
Infelizmente, enquanto há problemas doutrinários sérios na Assembleia de Deus, a grande Convenção preocupa-se apenas com o poder temporal. E está mal preparada para isso. Felizmente, os membros são mais espertos e muitos recusam a assinar a ficha para criação desse partido.