O neoliberalismo é incompatível com a democracia. Por Emir Sader

Atualizado em 5 de julho de 2020 às 17:28
Neoliberalismo e autoritarismo. (Arte Revista CULT/Reprodução)

O neoliberalismo nasceu numa ditadura – a de Pinochet -, implementado por economistas da Escola de Chicago. Mas depois se espalhou em governos eleitos, na America Latina e na Europa. Porém, ao longo do tempo, o neoliberalismo foi se demonstrando incompatível com a democracia. O Brasil é um bom exemplo.

O primeiro projeto neoliberal foi do governo Collor, eleito presidente, mesmo se com manipulações antidemocráticas da Globo no debate final com o Lula. Collor centro sua campanha em dois temas caros ao neoliberalismo: os servidores públicos seriam marajás e os carros produzidos no Brasil seriam carroças. Dai começava a campanha de criminalização do Estado e abertura da economia ao mercado internacional.

Derrubado pelas acusações de corrupção, o projeto neoliberal foi retomado no governo Itamar Franco, pelas mãos de FHC, que reformulou o modelo, mas lhe deu continuidade. Foi com esse projeto que FHC conseguiu se eleger e reeleger pelas eleicoes, convencendo a maioria dos brasileiros de que o problema maior do Brasil seriam os gastos excessivos do Estado, que gerariam a inflação. Até ali o neoliberalismo parecia compatível com a democracia.

A hegemonia neoliberal se deu pela desqualificação do Estado, dos seus gastos, pela exaltação do mercado e dos empresários. Ela se esgotou com o esgotamento do governo do FHC e nunca mais pôde convencer à maioria dos brasileiros dessas posições, perdeu sua capacidade hegemônica.

Mas, ao nao fazer politicas sociais, acreditando que o controle da inflação bastaria para melhorar as condições de vida dos brasileiros, seu governo terminou se esgotando, com a imagem reduzida a seu nível mais baixo. Foi o ultimo momento em que o modelo neoliberal seria colocado em pratica por um governo eleito por eleições.

A primeira vitoria do Lula, em 2002, revelou como as politicas neoliberais eram rejeitadas pela maioria da população, o que seguiu acontecendo ao longo de outras tres eleições – 2006, 2010 e 2014. Os governos do PT consolidaram a posição da maioria dos brasileiros, que democraticamente preferiram politicas antineoliberais, às politicas neoliberais do PSDB.

Os brasileiros consagravam que a democracia era plenamente compatível com o desenvolvimento economico acompanhado de politicas sociais de distribuição de renda e de inclusão social. Democracia e antineoliberalismo se casaram, no período mais virtuoso da historia brasileira em muito tempo.

Os quatro governos do PT representaram e acentuaram a hegemonia do modelo antineoliberal. Foi necessária a ruptura da democracia, com golpe contra a Dilma, sem nenhum fundamento jurídico, para que as politicas neoliberais voltassem a ser colocadas em pratica. Um governo ilegítimo, nao eleito pelo povo, assumiu a retomada do modelo antidemocrático neoliberal.

O governo Bolsonaro e sua politica ultraneoliberal so foi possível, não somente por deslocar os temas da campanha para outras questões que não os econômico e sociais. Assim como pela monstruosa manipulação eleitoral, tanto impedindo que o Lula – favorito para ganhar a eleição no primeiro turno, propondo o modelo antineoliberal, como instrumentalizando as fake news.

Muita gente hoje está contra Bolsonaro, sem estar contra o neoliberalismo. Chegam a aceitar que não vivemos uma democracia plena, porque o presidente comete toda ordem de crimes de responsabilidade, ele e seus filhos estão comprometidos com a corrupção, mas nao funcionam as instituições para tira-lo da Presidência.

Porém, não se dao conta que só sem democracia, só com um Estado de exceção, é possível existir um governo que implemente uma politica econômica contra as necessidades da grande maioria das pessoas. Uma politica econômica que só favorece os bancos privados e o capital especulativo, promovendo a recessão e a depressão econômica, bem como o desemprego e a precariedade a que estão condenada a grande maioria dos brasileiros.

So como retorno da democracia, será possível que a maioria da população expresse sua vontade, que se choca frontalmente com o modelo neoliberal, preferindo o desenvolvimento econômico com distribuição de renda, com luta contra a pobreza, a miseria, a fome e a exclusão social, so possível contra o modelo neoliberal.