Minha contribuição para a confusão criada pelo advogado Hery Kattwinkel Júnior em sua fala no Supremo ao confundir os príncipes de Maquiavel e de Saint-Exupéry. Posso ajudar a confundir ainda mais.
As duas obras são tiktoks dos seus tempos. Maquiavel produziu, em um livrinho de menos de cem páginas, um tutorial sobre a imposição da astúcia e da razão absoluta de quem está no poder.
Escrevia fácil em meio a autores de textos gongóricos. Cuidado com as emoções, é um dos alertas que saem do Príncipe de Maquiavel.
E Saint-Exupéry escreveu um poema em prosa sobre o contrário, os sentimentos, a subjetividade e as concessões.
Os dois funcionam bem porque têm a ambição de transmitir ideias com simplicidade e poder de síntese. Têm resumo, condensação e fácil compreensão. Sempre foram pops.
Sergio Moro, que não se lembra das biografias que lê, porque boas obras nessa área têm mais de 400 páginas, poderia ler os dois livros em dois dias. E citá-los depois em entrevista ao Merval Pereira na GloboNews.
São fáceis, foram feitos de imagens e frases lacradoras. O príncipe de Exupéry é até desenhado. Ambos são quase dançantes. São muito mais do que tuítes.
O advogado Kattwinkel Júnior errou, ao achar que citava Maquiavel e se referir ao príncipe de Exupéry, por causa das armadilhas dessas singelezas.
Mas acabou, sem querer, por colocar em confronto a bondade contra a esperteza, aceitação x imposição, o coração lírico diante da máquina do cérebro, se fosse possível fazer uma outra síntese à moda Leandro Karnal, mesmo que arriscada.
O fascismo lida bem com esse poder de resumir tudo, uma virtude que as esquerdas já tiveram no pós-guerra e em especial no pós-68, com é proibido proibir, abaixo a ditadura, democracia já, tortura nunca mais.
O neofascismo das redes sociais redescobriu a síntese do abaixo o sistema, a corrupção mata, salvem a família, nosso partido é o Brasil. Bolsonaro com deus acima de tudo é apenas o nosso representante no latifúndio mundial da extrema direita lacradora.
Mas resumos são traiçoeiros. O bolsonarismo não tem nada de Exupéry e pode ter muito de Maquiavel, como diria um professor dos antigos cursinhos. E essa também pode ser uma simplificação grosseira e tiktokiana.
O saldo positivo de uma gafe bizarra é que quase sempre aciona curiosidades e produz movimentos na direção da luz e da verdade. Os príncipes citados serão lidos até por gente que só vê séries medonhas da Netflix há anos.
Que os curiosos comprem os livros, ao invés de acessá-los nas versões virtuais pela internet. Tenham em casa, um ao lado outro, para que sejam lembrados no contexto dos tempos que vivemos.
Debatam com ardor sobre os príncipes à mesa no almoço com os parentes no fim de semana. Incentivem o novo confronto familiar entre os que adoram o príncipe de um e detestam o príncipe do outro.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes