O novo romance policial da autora de Harry Potter quase leva nota dez

Atualizado em 23 de março de 2015 às 6:58

image

O texto abaixo, de Ana Paula Laux, foi publicado no site literatura policial.

Quem leu “O Chamado do Cuco” (Rocco, 2013), romance policial de estreia de JK Rowling, já está familiarizado com o detetive Cormoran Strike, o lacônico e irritadiço investigador particular que protagoniza a série criada há dois anos. “O Bicho-da-Seda” (Rocco, 2014) é a segunda incursão dela no gênero, mais eficiente em prender a atenção do leitor por oferecer um enredo bem elaborado, de poucos fios soltos e final convincente.

Na trama, Cormoran Strike é contratado para encontrar Owen Quine, um egocêntrico e desagradável romancista que vive das migalhas de uma obra bem recebida no passado. Quine desaparece após entregar para sua agente literária os manuscritos de seu próximo romance, uma licença pseudopoética recheada de insinuações polêmicas sobre figurões do meio literário. Em meio à investigação, ele ressurge assassinado num ambiente bizarro e escatológico, lançando a suspeita do crime sobre todos os “personagens” citados no tal manuscrito. Cabe a Cormoran e sua assistente Robin Ellacott descobrirem quem matou.

Alguns clichês do gênero estão presentes: o detetive com problemas sentimentais, a polícia obtusa, a mídia interesseira e metáforas em dose moderada – em especial as que fazem analogia à comida (como o verde-ervilha e as “teclas gordas como cubos de caramelo”). Há um entrosamento maior entre Cormoran e sua assistente Robin, uma versão moderna da eficiente Miss Lemon de Poirot. O detetive, filho ignorado de uma estrela do rock, não ouve música, não frequenta cinema nem curte uma boa leitura (a não ser que tenha a ver com algum caso). Homem orgulhoso e amargurado pelas marcas do passado, ele vive em busca da superação após perder uma perna na Guerra do Afeganistão.

A diversidade de personagens e descrições preenchem as 461 páginas do livro, mas algumas tramas paralelas são desnecessárias. As citações no início de cada capítulo, como frases dos dramaturgos John Webster e Thomas Dekker, dão apenas um verniz para a história. A descrição do interior da casa do editor Roper Chard é tão detalhada que parece que a autora está reproduzindo a sala de um conhecido (será que está?). As investigações paralelas de Strike (sem relação direta com o assassinato, dispostas para “construir” o caráter do personagem) empacam a leitura, bem como a entediante dor de cotovelo do detetive pela ex-noiva Charlotte. Mas fazendo um balanço, o saldo ainda é positivo.

“O Bicho-da-Seda” tem um final revelador e esse é o maior trunfo do livro, apesar da leitura pegar pra valer apenas depois da metade da leitura. Um investimento mais sutil nas descrições e a nota seria dez.