Sergio Moro prometeu um pacote anticrime para reduzir, drasticamente, os índices alarmantes de crime no Brasil.
Mas o que apresentou hoje chama a atenção por representar um risco a mais para as populações mais pobres.
“A proposta do ministro da Justiça Sérgio Moro legitima execuções e extermínios praticados por policiais. Uma verdadeira lei do abate de jovens pobres”, disse o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo e do Grupo Tortura Nunca mais”.
Ariel se refere à parte do projeto que trata da legítima defesa. “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, diz o texto apresentado por Moro.
Nesse caso, além dos policiais enquadrados em situação que considerem de risco, poderiam ser enquadrados até crimes passionais, em que, na maioria das vezes, o autor do delito é o homem e a vítima, a mulher.
Foi esta a linha de defesa, por exemplo, de Lindemberg Fernandes Alves, o homem que matou a namorada, Eloá Cristina.
O júri não acatou a tese, mas, se já estivesse vigorando o Código Moro, o entendimento poderia ser outro.
Na ocasião, a advogada do assassino argumentou que Lindemberg agiu num ambiente em que era provocado, seja pela presença da imprensa ou pelo, pasme, comportamento da própria Eloá, que já não queria mais namorá-lo.
O texto de Moro dá abertura também para assassinatos decorrentes de uma briga de vizinhos, já que, por violenta emoção se entende a resposta a uma provocação considerada injusta.
O medo, a terceira atenuante, justificaria também a morte de alguém que tentasse um assalto, ainda que desarmado.
Hoje, não se aceita, por exemplo, que a vítima reaja de maneira desproporcional ao ataque do criminoso.
Essas três linhas parecem muito mais atender à promessa de campanha de Bolsonaro e à flexibilização da posse de armas (e talvez do porte) do que no efetivo combate à criminalidade.
Mas o que preocupa mais especialistas em direitos humanos como Ariel de Castro Alves é a parte do texto que permite livrar de penas o agente policial ou de segurança pública que cometer mortes em serviço em caso de “conflito armado ou em risco emitente de conflito armado” e para prevenir “injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem”, agressão ou risco de agressão a reféns. Ou o agente que “previne agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
A lei atual define legítima defesa como a situação em que o policial, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Para Ariel, o texto significa uma carta branca para o policial. “Eles poderão matar à vontade, justificando que suas vítimas estavam em ‘atitude suspeita’. Adolescentes e jovens negros serão as principais vítimas, como já ocorre atualmente, mas em proporções ainda maiores”, avalia.
“O medo, surpresa e a violenta emoção, segundo a proposta, servirão para atenuar ou excluir a responsabilização penal de policiais assassinos. Risco iminente de conflito armado também servirá como alegação de legítima defesa”, acrescenta o conselheiro de Direitos Humanos do Estado de São Paulo.
Outra aberração, segundo ele: “Os policiais responderão aos inquéritos e processos em liberdade. Isso significa o risco de ameaçar testemunhas e cometer outros assassinatos.”
Essa parte do pacote anticrime dá contornos supostamente legais ao que Bolsonaro dizia na campanha. Em dezembro do ano passado, quando visitou Manaus e foi recebido por policiais militares, ele declarou:
“Nós vamos brigar pelo excludente de ilicitude. O policial militar em ação responde, mas não tem punição. Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”.
Moro está entregando o que Bolsonaro prometeu, mas ele vai tentar encobrir essa realidade com o discurso de que o pacote é para combater a corrupção e enfraquecer o crime organizado.