O pai de Alok, os jornalistas e as crianças palestinas. Por Moisés Mendes

Atualizado em 13 de outubro de 2023 às 23:28
Cerimônia fúnebre realizada para os jornalistas palestinos que foram mortos em ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no “Blog do Moisés Mendes”

Pai de Alok diz que o pior já passou. Pai de Alok mostra vídeo da festa antes do ataque do Hamas. Pai de Alok retorna ao Brasil e diz que está aliviado.

Sabemos tudo de Juarez Petrillo, o pai de DJ Alok, e não sabemos quase nada das crianças palestinas e brasileiras cercadas por Israel no norte de Gaza.

Ninguém aguenta mais ler notícias sobre o pai do Alok, que não acrescentam mais nada, quase nada significam no contexto do que acontece na região. Mas a imprensa quer notícias de celebridades, e o pai do Alok estava na festa invadida pelo Hamas.

Os jornalistas que poderiam estar informando sobre fatos relevantes da situação em Gaza e no entorno do conflito, e não sobre o pai de Alok, estão sendo mortos pelas bombas de Israel.

DJ Juarez Petrillo, pai do Alok, em Israel durante ataques. Foto: Reprodução

Nessa sexta-feira, pela primeira vez os jornais brasileiros deram na capa a notícia da morte de um jornalista, Issam Abdallah (foto), da agência Reuters. Abdallah morreu na fronteira entre o Líbano e Israel.

Antes, haviam morrido oito jornalistas em Gaza. Que se chamavam Said al Taweel, Mohammed Sobboh, Hisham Nawajhah, Asad Shamlakh, Ibrahim Mohammad Lafi, Mohammad Jarghoun, Mohammad El-Salhi e Salam Khalil.

Outros 12 jornalistas foram feridos e dois estão desaparecidos. Mas nenhum deles mereceu antes a capa dos jornais. Porque todos trabalhavam ou trabalham para veículos sem expressão no mundo da mídia corporativa mundial.

A morte de Issam Abdallah mereceu chamada nas capas porque ele produzia imagens para a Reuters. Seus colegas mortos antes, todos com nomes e sobrenomes árabes, não tiveram o mesmo destaque.

A postura dos senhores da guerra é sempre a mesma em relação aos jornalistas. Ele tratam com certo desprezo as mortes de quem está do ‘outro lado’.

Assim, as versões dos jornalistas pró-Ocidente prevalecem sempre. Sempre foi assim e está sendo assim nessa guerra.

Escombros de prédio destruído após ataque israelense na Faixa de Gaza. Foto: Ibraheem Abu Mustafa/REUTERS

Imagens da guerra, a partir de Gaza, são geradas invariavelmente por pessoas comuns. São elas que falam, em transmissões pelo celular, para TVs e jornais do mundo todo, de onde ainda conseguem falar.

O relato jornalístico de Gaza nos é oferecido pelos que aguardam a invasão israelense sem comida, água e luz. Os moradores de Gaza são vítimas e jornalistas dos próprios dramas.

Do ponto de vista ocidental, tudo é mais fácil. Por isso ficamos sabendo a todo momento que o pai de Alok chorou ao ver o filho e que tem pesadelos. Sabemos tudo do pai de Alok, quase em tempo real. Mas o pai de Alok não está em Gaza.

Os jornalistas que trabalham para os grandes veículos ocidentais, que acompanham a guerra pelo olhar do poder político e econômico mundial, principalmente à distância, sabem tudo do pai de Alok e não sabem nada das crianças palestinas.

Os que trabalham lá, dentro do inferno, mesmo que estejam a serviço da grande mídia hegemônica, esses estão condenados a serem sufocados e a morrer em Gaza.

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