O país não precisa escolher entre a morte por coronavírus ou pela crise econômica. Por Emilio Chernavsky

Atualizado em 2 de abril de 2020 às 11:58
Jair Bolsonaro. Foto: Wikimedia Commons

PUBLICADO NO BRASIL DEBATE

POR EMILIO CHERNAVSKY

No último dia 17 de março, o presidente Bolsonaro afirmou que “vai morrer muito mais gente fruto de uma economia que não anda do que do próprio coronavírus”. Esta frase sintetiza a ideia que tem guiado suas declarações desde então, contestando medidas tomadas por entes subnacionais que incentivam o distanciamento social e que, com isso, prejudicariam economia.

Medidas que seriam exageradas, fruto de uma histeria. Assim, ele tem se manifestado a favor da reabertura das escolas, do comércio e igrejas, da retomada geral da atividade mesmo que possa provocar a morte de pessoas. Essa posição defendendo a volta à normalidade, que contraria as recomendações da Organização Mundial da Saúde e das associações médicas e outras do setor, assim como o que a maioria dos governos ao redor do mundo vem fazendo, tem sido replicada por altos escalões do governo brasileiro e por empresários no país.

Advertem eles que a paralisação da economia levaria à explosão do desemprego e da pobreza, produzindo mais mortes que o próprio vírus, e por isso deveria ser evitada. Com o auxílio da comunicação institucional do governo e das redes virtuais de apoiadores do presidente, esta ideia tem se disseminado entre a população em todos os segmentos de renda. Isto não surpreende se considerarmos que o pequeno empresário obrigado a fechar as portas ainda tem que pagar fornecedores e empregados e vê sua empresa e fonte de renda com risco de quebrar.

Se considerarmos esses empregados, que com as empresas fechadas correm grande risco de demissão. Se considerarmos a enorme massa de trabalhadores precários, informais e autônomos, que vê sua renda desaparecer, e se considerarmos os já desempregados que vêm sua situação aflitiva se prolongar. Obrigados a escolher entre o risco de contaminar-se com o coronavírus e, com uma probabilidade “baixa”, sofrer complicações de saúde ou mesmo morrer, ou enfrentar o corte profundo e certo da renda e o desespero e impotência e até a morte a que essa situação pode levar, grande parte deles tende a optar pela primeira opção, especialmente enquanto a morte pela doença de algum ente próximo não os alcança.

Se, para cada indivíduo, a escolha entre morrer pelo coronavírus ou pelos efeitos da crise econômica pode parecer a única possível, a sociedade, ao contrário do que o governo e aqueles empresários fazem crer, possui uma terceira opção, a de organizar a retração da economia para salvar vidas, evitando uma catástrofe humanitária que dificultará a recuperação psíquica e material do país.

Essa opção, como indicam as autoridades sanitárias em todo o mundo, demanda que o maior número possível de pessoas permaneça em casa para reduzir a velocidade de difusão da doença e dar tempo para a expansão do sistema de saúde e para a pesquisa da cura e imunização da população contra o vírus. Isso requer a redução ou interrupção da produção de bens e serviços não essenciais, enquanto se mantêm ativas as cadeias daqueles essenciais e os canais de abastecimento e se aumenta a produção dos bens e serviços ligados à saúde.

Certamente haverá uma forte retração da atividade, mas não necessariamente a desestruturação da economia e a calamidade social. O Estado pode evitá-las se preservar, ao menos parcialmente, os rendimentos dos trabalhadores, pagando um benefício aos empregados das empresas que suspenderem ou reduzirem suas atividades e a todas as famílias dos informais e desempregados, e se atuar para que as empresas fechadas não quebrem, permitindo a suspensão dos contratos de trabalho, isentando o pagamento de taxas e tributos, e fornecendo liquidez com carências estendidas.

Os recursos financeiros para essas ações podem ser obtidos por meio da expansão da dívida pública ou da emissão monetária que, com os baixíssimos juros e a enorme capacidade ociosa vigentes, não provocarão explosão inflacionária nem do endividamento. A questão é decidir buscá-los.

O confinamento e a redução do consumo que o acompanha são decerto incômodos, mas a maioria das pessoas tem mostrado concordar com eles para salvar a vida de seus parentes e amigos e a delas próprias. Mas, para isso, elas precisam dos meios para sobreviver hoje, e de uma economia em pé para sobreviver quando o confinamento terminar. É justamente isso o que a retração organizada da atividade permite.

Contudo, ela requer a ação decidida do governo nessa direção. Ao tomar medidas apenas tímidas e incitar a população a abandonar o confinamento, o governo parece preferir outro caminho, que deixa à sociedade apenas a escolha entre a disseminação do coronavírus e a crise econômica. Ao segui-lo, o país provavelmente colherá as duas.