Foi difícil de assistir, mas necessário: o Roda Viva de ontem confirmou que o programa se tornou um palanque para a candidatura de Geraldo Alckmin.
“Estará no segundo turno”, profetizou o jornalista que representava a Globo, Ascânio Seleme, ex-diretor de redação. E seguiu-se pau, primeiro em Bolsonaro, depois em Lula, pelas bocas de Eliane Cantanhede, do Estadão, e Clóvis Rossi, da Folha de S. Paulo, além de Ascânio.
Eliane Cantanhêde e Clóvis Rossi, com variações de estilo, manifestavam uma certa indignação com o fato de Lula pleitear a candidatura, mesmo “sabendo” que não conseguirá a legenda com base na lei da ficha limpa.
“É uma situação que é patética. Você tem um candidato que é, tenicamente, ele não é candidato, ele não pode ser candidato. (…) Já que a gente fala tanto em fake news, é uma candidatura fake”, bradou a colunista do Estadão e Globonews.
“O Lula jamais permite que alguém, nem sequer grama pode nascer à sombra de um caudilho desse porte, quanto mais uma palmeira, que seria um candidato presidencial. Por isso que ele vai levar até o fim. Só vai ter um candidato pela impossibilidade de levar (a candidatura dele, Lula)”, disse Clóvis Rossi.
Se é assim como diz o veterano jornalista, o que explica que Lula não tenha disputado a eleição em 2014, quando havia um movimento no PT para que ele assumir no lugar de Dilma? Lula é criticado por não ter sido candidato, o que, para muitos, evitaria a crise que levou ao impeachment.
Não foi e conta por que, no livro a “Verdade Vencerá (editora Boi Tempo):
— Eu tinha a clareza de que 2014 seria o ano para que eu voltasse à Presidência da República, mas tinha clareza também de que eu devia respeito à democracia estabelecida pelo próprio partido. Quando indiquei a Dilma [para a eleição de 2010], disseram-me que ela seria uma “candidata-tampão”, que a gente deveria se reunir com ela e dizer que ela seria candidata só para guardar a vaga para o Lula voltar. Eu recusei a ideia da candidata-tampão, ela era candidata plena e, se ela fosse bem, teria o direito de ser candidata à reeleição. A única possibilidade de eu ser candidato era se a Dilma me procurasse e dissesse: “Lula, eu acho que você deveria voltar a ser candidato”. Como ela nunca me procurou, e o partido começou a insinuar uma campanha “volta, Lula”, eu fui a um ato no Anhembi, a Dilma estava chegando, e aí acabei com a ideia do “volta, Lula”. “É preciso parar com brincadeira, nós temos candidata, que é a Dilma, e vamos à luta”.
Jornalistas antecipam um julgamento na justiça eleitoral que, se confirmado, contraria precedentes da corte, que foram reunidos em um estudo que os advogados do PT pretendem apresentar na defesa da candidatura, quando esta for impugnada na justiça eleitoral.
Segundo a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, são mais de cem casos.
“Um desses casos é de um prefeito no meu Estado (Paraná), Porecatu. Ele estava preso, disputou a eleição, venceu e tomou posse, depois que a justiça eleitoral levantou a inelegibilidade dele”, afirmou.
A questão é: ainda que Lula venha ter a candidatura impugnada e, depois, o registro cassado, por que ele abriria mão do direito de pleitear a legenda?
Num comentário na Globonews, a mesma Eliane Cantanhêde reclamou que o movimento político de Lula prejudica as demais candidaturas.
“Está tudo paralisado, porque os demais candidatos farão sua estratégia em torno da candidatura de Lula. Enquanto ele não se define, as campanhas ficam paralisadas”, disse.
É uma análise estreita, por duas razões: como se Lula tivesse cometido um crime pela popularidade que tem e, em razão disso, tivesse a obrigação de facilitar a vida dos adversários.
Seria mais ou menos como os torcedores brasileiros culparem o goleiro da Bélgica pela desclassificação do Brasil na Copa do Mundo, por causa das defesas que fez no jogo contra a Seleção Brasileira. Queriam o quê? Que ele entregasse o jogo?
Em relação a Lula vale o mesmo raciocínio, com a diferença de que se está falando de um país, sua soberania, e os valores da democracia, consagrados pela Constituição de 1988 — na essência, um pacto de convivência —, em que se destaca o princípio da presunção de inocência, o mesmo que ampara a postulação de Lula.
Lula tem o direito de ir até o fim e, na defesa desse direito, propôs um desafio ao juiz Sergio Moro — retórico, claro, mas fácil de entender.
Em suas conversas no cárcere, já há alguns meses, mandou o recado: se até o dia 15 (amanhã), Moro apresentar uma prova de que tenha cometido crime, ele desiste de ser candidato.
Em relação ao triplex do Guarujá, caso que gerou a sua condenação, não há prova de que o imóvel seja dele, nem sequer a descrição de uma conduta criminosa.
Lula, como dono do triplex, era um boato no Guarujá que foi para as páginas de O Globo, se transformou em processo e, numa velocidade incomum, gerou a condenação.
Desde que lançou o desafio a Moro, em vez de provas, surgiram evidências de que a justiça persegue Lula.
Tanto que o juiz responsável pela sua condenação interrompeu as férias para, numa ação em que sequer foi provocado, determinar que não se cumprisse a ordem de soltar Lula, dada pelo desembargador de plantão no TRF-4.
Outro desembargador agiu em sintonia com aquele juiz e, segundo nota publicada na imprensa, admitiu que não observou a letra fria da lei.
O diretor da Polícia Federal contou que deixou de cumprir o HC por determinação do presidente do TRF-4, dada por telefone.
E a procuradora-geral da república, Raquel Dodge, segundo o mesmo delegado, também agiu fora dos autos para evitar que a ordem judicial fosse cumprida.
Como jornalistas, Cantanhede, Clóvis Rossi e Ascânio deveriam trabalhar com o que é notícia — e essa movimentação atípica do Judiciário e do Ministério Público Federal, indicadora de conduta abusiva, é notícia.
Jornalista tem lado, é o da sociedade, e a sociedade hoje se inclina, majoritariamente, por Lula.
Na entrevista ao DCM, Gleisi Hoffmann contou que pesquisas qualitativas revelam que o povo vê o Jornal Nacional por força do hábito, mas não acredita no que a Globo informa.
Esta é uma das razões que explicam o crescimento da candidatura de Lula, mesmo depois de horas de reportagens negativas.
No meio jornalístico, há uma imagem que define a profissão: a imprensa seria como o cão de guarda. No jardim, late para tudo o que ameaça a segurança dos que vivem dentro da casa, no caso a sociedade.
Viciada em negócios, a imprensa brasileira se tornou um doberman velho e hoje invadiu a casa e tem mordido os donos.
Foi o que se viu no Roda Viva. Na essência, os jornalistas culparam o povo pela escolha que tem feito.