Há quase cem anos, o filósofo, historiador e matemático britânico Bertrand Russell se debruçou sobre o fenômeno chinês. Ele escreveu um livro chamado “O Problema da China”, do qual extraímos as passagens abaixo para a nossa série Conversas com Escritores Mortos.
Mr Russell: o senhor passou uma temporada na China e escreveu um livro sobre o país. Como o senhor definiria a China?
A China pode ser considerada uma nação artista, com as virtudes e os defeitos típicos dos artistas: virtudes quase sempre úteis para os outros, e os defeitos quase sempre prejudiciais para ela mesma. A China vai conseguir preservar as virtudes? Ou, para sobreviver, ela vai adquirir os defeitos que provocam miséria para os outros apenas? E se a China copiar o modelo estabelecido pelo Ocidente, o que será de todos nós?
Qual é este modelo ocidental, Mr Russell?
Nossa prosperidade, e muito daquilo que fazemos pela nossa segurança, só pode ser obtida com uma ampla opressão e exploração dos países mais fracos.
E os chineses ..
O que eles conseguem eles devem apenas a eles mesmos.
Como o senhor vê o futuro da China?
A China é o país mais paciente do mundo; pensa em séculos, enquanto os outros países pensam em décadas. É essencialmente indestrutível, e sabe esperar. As nações “civilizadas”, com seus bloqueiros, seus gases envenenados, suas bombas, seus submarinos, seus exércitos sinistros, vão provavelmente destruir uma à outra nos próximos cem anos, deixando o palco para aqueles países cujo pacifismo os deixou vivos, ainda que pobres e sem poder bélico.
Suponhamos que o modelo chinês de país artista, como o senhor define, triunfe. O que a humanidade deveria esperar?
Os chineses descobriram, e praticaram por muitos séculos, um estilo de vida que, se adotado em todo o mundo, tornaria o mundo todo feliz.
Mas o Ocidente é militarmente mais forte, e para muitos tem uma civilização superior.
A superioridade militar do Ocidente sobre a China não é uma lei eterna da natureza, como somos tentados a imaginar. E nossa superioridade como civilização é apenas ilusão.
O senhor poderia desenvolver este último tema?
Um escritor do passado escreveu: “Os ocidentais reduziram singularmente o campo da história do mundo em torno de Israel, da Grécia e de Roma, por completa ignorância da existência do resto do mundo. Eles desconheciam as histórias dos viajantes que tinham singrado o Mar da China e o Oceano Índico, ou cavalgado pelas imensidões da Ásia Central rumo ao Golfo Pérsico. A maior parte do universo, e ao mesmo tempo uma civilização diferente mas certamente tão desenvolvida quanto a Grécia Antiga e Roma, permaneceu desconhecida daqueles que escreveram a história de seu pequeno mundo acreditando que estavam escrevendo a história do mundo como um todo.”
E o senhor, o que diz disso?
Nos dias de hoje, este provincianismo, que impregna toda a nossa cultura, pode ter consequências desastrosas para a humanidade. Ou abrimos espaço para a China ou ela vai tratar de se erguer por si mesma.
O que o senhor tem a dizer sobre Confúcio, o filósofo que há mais de 2 000 anos guia o passo dos chineses?
Confúcio era, na prática, um estadista. Ele se preocupava com a administração do Estado. As virtudes que ele procurava inculcar não diziam respeito à santidade pessoal ou à busca de salvação numa vida futura — mas sim aquelas que levariam a uma vida comunitária mais pacata e próspera aqui na terra mesmo. O confucionismo foi, na essência, um código de comportamento civilizado. Ensinou auto-controle, moderação e, acima de tudo, cortesia.
É difícil para um ocidental ser confuciano?
Para ser, ele tem que aprimorar o auto-controle. Não deve se entregar a paixões violentas e nem ser arrogante. Jamais deve infligir humilhação a adversários derrotados.
O confucionismo chinês não é uma religião. Quais as consequências práticas disso?
Muito positivas. O chinês não tem a crença, que devemos aos judeus, de que se uma religião é verdadeira, as outras devem ser falsas.
Mr Russell? Clap, clap, clap. De pé. Para o senhor e para os chineses.