O ‘Pepe Mujica’ do Vaticano

Atualizado em 16 de março de 2013 às 21:51

Bergoglio viajou para o conclave de classe econômica — nada surpreendente para quem o conhecia, como alguns amigos de Buenos Aires.

Como todo argentino, Bergoglio aprecia o mate
Como todo argentino, Bergoglio aprecia o mate

 

O texto abaixo foi publicado originalmente na BBC Mundo.

Para alguém zeloso de sua privacidade, o papa Francisco, na condição de cardeal Jorge Bergoglio, viveu no lugar perfeito: o centro da cidade de Buenos Aires.

O edifício modesto e despretensioso em que ele morava — ao lado da catedral, seu local de trabalho — fica numa encruzilhada repleta de pessoas que estão sempre em movimento.

Neste mar de trabalhadores, moradores de rua, vendedores de dólares no mercado negro e turistas, Bergoglio mergulhava em seus deveres fora do horário da massa.

“A maioria das pessoas o reconhecia pelo seu traje religioso, mas chamava a atenção como ele andava pela rua como qualquer um”, diz um jornaleiro local. “Nunca teve guarda-costas e sempre pegou metrô. Jamais o vimos com um motorista num carro particular.”

O jornaleiro está claramente orgulhoso com a eleição de Bergoglio. “Acho que ele foi escolhido porque é uma pessoa austera e só alguém assim para sanear as finanças do Vaticano”, diz.

Aqueles que o conhecem dizem que Bergoglio nunca foi de comer fora em lugares chiques, a convite. Ele preferia restaurantes simples perto do seu escritório, e normalmente comia sozinho.

Ele viajou para o conclave de classe econômica. Algumas pessoas o chamam de “Pepe Mujica do Vaticano”, em referência ao frugal presidente do Uruguai.

Reservado, poucos amigos, com rigoroso controle de sua vida pessoal e extremamente dedicado às suas atividades pastorais, o agora papa Francisco deixou claro ao longo dos anos que uma coisa fora da igreja o apaixonava enormemente: o San Lorenzo de Almagro.

Bergoglio se tornou torcedor do San Lorenzo criança, na década de 40, porque seu pai o levava ao estádio. O clube foi fundado em 1908 pelo padre Lorenzo Massa, que com ele buscava tirar das ruas do bairro de Almagro  crianças desocupadas.

Na juventude, Bergoglio viveu perto do estádio em que o San Lorenzo jogou até os anos 70.  O governo militar expropriou o estádio e o vendeu a uma rede multinacional de supermercados.

Em 2008,  ele se tornou membro honorário do clube, e tirou fotos com bandeiras como se fosse um torcedor a mais. “Agora, com 76 anos, ele não vai mais ao campo por causa da saúde”, diz um funcionário do clube.  “Mas ele sofre pelo San Lorenzo.”

Em 2011, o time não estava bem. Tudo indicava que o San Lorenzo, um dos cinco grandes da Argentina (com Boca Juniors, River Plate, Racing e Independiente), ia ser rebaixado. A torcida sofria no estádio e na televisão. Bergoglio também.

Em maio do mesmo ano, foi inaugurada uma nova capela no clube, financiada pelo ator americano Viggo Mortensen, outro famoso torcedor do San Lorenzo. A missa de inauguração foi rezada pelo agora papa Francisco.

Ele sempre se interessou também pelas atividades sociais e esportivas da Associação Cristã de Moços. O presidente da ACM de Buenos Aires, Norberto Rodrigues, reuniu-se várias vezes com o agora papa.

“Andar de ônibus ou metrô, como ele sempre fazia, não era uma pose. Era fruto de uma profunda humildade e austeridade.”

Muitos dos encontros entre os dois ocorreram no escritório de Bergoglio na Catedral, a poucas quadras do ACM. “Ele é uma pessoa forte e ao mesmo tempo amigável”,  diz Rodrigues. “Fala somente quando tem algo a dizer. Caso contrário, prefere o silêncio.”

Quando ele se tornou papa, a imagem incomum do cardeal Bergoglio vestido de preto com colarinho branco, caminhando entre as pessoas comuns em Buenos Aires para comprar um jornal ou pegar o ônibus, deve ter surgido na mente daqueles que cruzavam com ele.

Não é muita gente, afinal, que tem o privilégio de haver compartilhado um banco no ônibus com um papa.