“O pesadelo da ameaça à democracia ainda não acabou. Pau neles!”, diz Tony Bellotto ao DCM

Atualizado em 29 de agosto de 2024 às 16:55
Nando Reis e Tony Bellotto na turnê dos Titãs

Após a turnê “Encontro”, a mais bem-sucedida do show business brasileiro em 2023, com a banda Titãs, que reuniu no palco sua formação original, exceto pelos membros que faleceram ao longo do tempo (Marcelo Frommer e Ciro Pessoa) ou mudaram de banda (André Jung foi para o IRA), o guitarrista e escritor Tony Bellotto retorna às prateleiras com seu novo romance policial “Vento em Setembro”, publicado pela Cia. das Letras.

Este é seu 11º título, no qual ele busca combinar reminiscências da infância e tradições machistas da elite agrária em um rito de passagem da adolescência para o universo macho alfa adulto.

O autor de “Vento em Setembro” nos transporta para um lugar onde os sonhos são construídos, para logo depois se desfazerem em pó: Assis, no interior de São Paulo, na década de 1970. Em uma de suas muitas fazendas, o magnata rural Máximo Leonel organiza uma festa opulenta para celebrar a perda da virgindade de seu filho mais novo, Alexandre.

Para a ocasião, contrata Laura, a prostituta mais deslumbrante do estado. Num momento crucial, Alexandre desaparece sem deixar vestígios, criando uma atmosfera de mistério que engolfa a família e a cidade.

Em entrevista ao colaborador Roger Worms, Tony Bellotto fala ao DCM sobre sua rotina e métodos para conciliar as demandas da arte de escrever e também de viajar pelo Brasil com os Titãs.

DCM: Quarenta anos com os Titãs e onze livros publicados. Como foi lidar com essas duas frentes de criação ao longo dessas jornadas em paralelo?

Tony Bellotto: As atividades são complementares. Aprendi ao longo dos anos a equilibrar as duas formas e, quando escrevo, descanso da música — e vice-versa. Meu trabalho na música é coletivo e ruidoso, na literatura, solitário e silencioso. E assim uma forma vai alimentando a outra, e eu não paro nunca.

Seu novo romance aborda reminiscências da infância no interior de São Paulo. Foi na sua busca interior, através da psicanálise, que se abriram caminhos para essa trama e outras que estão por vir? Ou você já tinha um esboço para esse projeto?

Na verdade, os livros começam meio indefinidos, e não tenho uma ideia muito clara deles quando começo a escrever. O grande prazer de escrever, para mim, é justamente sentir que as coisas vão acontecendo à medida que vou escrevendo. Deixo uma ideia amadurecer um pouco na cabeça, e depois esboço um esqueleto da história, um rascunho para me guiar. A partir daí, com a ajuda da disciplina e da imaginação, as coisas vão se definindo.

Há aproximadamente 25 anos, em uma conversa que tivemos, você fez uma referência ao Buena Vista Social Club, que estava em alta nas conversas e capas dos cadernos de cultura da época. Seu desejo era ver os Titãs longevos e velhinhos no palco. A turnê “Encontro” foi uma boa amostra do que pode vir nas próximas décadas? Podemos considerar essa referência aos mestres cubanos?

Acho legal essa comparação com os velhos cubanos, são uma referência sim. Sempre gostei de velhos bluesmen e sambistas que resistem ao passar do tempo: Cartola, B.B. King, Nelson Cavaquinho, Muddy Waters.

O novo livro de Tony Bellotto

Quais são suas maiores influências na literatura policial? Seu “Vento em Setembro” estava pronto antes de você cair na estrada com a turnê?

Minhas maiores influências na literatura policial foram Raymond Chandler, Dashiell Hammett e Rubem Fonseca. Esses três me influenciaram na linguagem e na estrutura. Li muita literatura policial, mas ressaltaria esses três como os mais influentes. O livro estava pronto antes da turnê. Eu terminei esse livro há muito tempo; até demorei para enviá-lo para a editora porque não tinha um título em mente e acabei mandando com outro título. No entanto, acabamos mudando na preparação já na editora. Eu enviei o livro para a editora um pouco antes de começar a turnê “Encontro”. Fiz toda a turnê sem me preocupar com estar escrevendo, pois não daria para conciliar.

“Caras como eu estão tirando o pé, andando em marcha ré…”. Na canção “Caras como eu”, de 1998, você já dava sinais de reflexão sobre a nossa inexorável finitude. Como diria nosso amigo e parceiro Carlos Barmack: “Chegou a hora de vestir o chinelão felpudo e ver os netos brincando”, sem medo de entrar na contramão?

É meio paradoxal essa percepção do envelhecimento e da finitude da vida. Você quer brincar com os netos e ao mesmo tempo continuar fazendo shows, na ilusão de que poderá garantir a eternidade em cima do palco.

De que forma seu romance aborda o autoritarismo, preconceitos e os retrocessos da elite agrária que financiou a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023?

Eu acho que já vivemos essas contradições há tempos no Brasil. Cresci na abjeta ditadura militar, e os ovinhos dessas serpentes cafajestes já vêm sendo chocadas há décadas. O pesadelo da ameaça à democracia ainda não acabou e é preciso estar atento para que essa praga não retorne. Não sei o quanto da reflexão proposta pelo livro pode ajudar, mas eu estou ligado. Pau neles! Os fascistas não passarão!