POR CELSO VICENZI, de Florianópolis
Um corregedor, uma delegada e uma juíza estiveram ausentes, mas bem que poderiam ter comparecido à Aula Pública realizada segunda-feira, 27 de novembro, na Universidade Federal de Santa Catarina, organizada pela Reitoria e pelo Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. Certamente o corregedor-geral da UFSC Rodolfo Hinkel do Prado, a delegada da Polícia Federal Érika Marena e a juíza Janaína Cassol Machado teriam muito a aprender.
Afinal, foi uma aula pública sobre abuso de poder. E os três foram protagonistas de uma ação desencadeada com enorme violência psicológica, com grande humilhação e muita insensibilidade (mas caberia, também, a palavra crueldade) que levou o ex-reitor Luis Carlos Cancellier de Olivo a cometer suicídio, poucos dias depois da sua prisão, na chamada Operação Ouvidos Moucos.
É importante lembrar: o reitor foi preso sem acusação formal, sem ser réu e sem ter sido ouvido pela Justiça. Sob a frágil suspeita de que estivesse tentando impedir uma investigação de desvio de recursos usados em cursos de Educação a Distância que, frise-se, não ocorrera em sua gestão, mas em anos anteriores, Cancellier foi levado a uma penitenciária, desnudado, algemado nas mãos e nos pés e submetido à revista íntima.
Solto dias depois por uma outra juíza, teve negado o acesso à universidade onde fora eleito reitor há pouco mais de um ano.
Contra todos esses e outros abusos que se cometem no Brasil, sobretudo a partir da Lava Jato e do golpe contra a presidenta Dilma Roussef, oradores se revezaram na aula pública na UFSC, em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária, e também pela apuração dos fatos e responsabilização dos agentes envolvidos na crise que vitimou a Ufsc e o ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Entre eles, o senador Roberto Requião (PMDB/PR), relator do projeto que altera a lei do abuso de autoridade (batizada de Lei Cancellier), o deputado federal Pedro Uczai (PT/SC), o procurador-geral de Santa Catarina João dos Passos Martins Neto, o educador popular padre Vilson Groh e Thaís Lippel, do Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça.
O procurador-geral de Santa Catarina, João dos Passos Martins disse que “o poder sem controle, o poder sem limites, é sempre a pior das maldições”. Acrescentou que nas democracias contemporâneas, controlar e limitar o poder é a função primária da Constituição.
“Os direitos são produtos da experiência humana com as injustiças, com os terríveis horrores das Cruzadas, da Inquisição, da escravidão, do Holocausto, das deportações, dos genocídios, do terrorismo, do apartheid e das prisões arbitrárias e ilegais”, registrou.
Portanto, explicou, “os direitos vêm dos erros e são respostas a um passado sombrio, são defesas da civilização contra a repetição de práticas abomináveis”.
O senador Roberto Requião disse que “Hitler jamais teria se instalado na Alemanha se as pessoas tivessem tido, no momento certo, a coragem de criticá-lo e aos nazistas, com força, com ironia, para colocá-los no ridículo. Por isso temos que denunciar a boçalidade, a arrogância e os excessos das autoridades no Brasil”.
Requião fez dura crítica à nota conjunta de juízes, procuradores, policiais federais e auditores que saíram em defesa da operação que levou o ex-reitor à morte.
Classificou a nota como produto da insolência, do cinismo e da estupidez. Na nota, as autoridades denunciaram “quem quer se aproveitar de uma tragédia para fins políticos no Brasil” e tentaram justificar que “os critérios usados para uma prisão processual ou sua revogação são controlados, restritos e rígidos”.
Requião lembrou que foram mobilizados 105 policiais, meia dúzia de delegados, dezenas de carros, helicópteros, armamentos pesados como fuzis e metralhadoras.
“E mais as câmeras da Globo e da GloboNews, os fotógrafos de O Globo e os microfones da CBN, porque sem a mídia, não se faz mais operação policial no Brasil”, assegurou.
Para o senador, “há um casamento da justiça-espetáculo e da mídia, principalmente a mídia televisiva. Se esse aparato, se esse espetáculo não é exagero, o que seria expressivo para as nossas autoridades, para os nossos agentes públicos? As algemas nas mãos e nas pernas, o desnudamento e a vexaminosa revista íntima? A cela, o isolamento, o deboche? Não, porque os critérios para a prisão, dizem os agentes públicos, foram controlados, restritos e rígidos. Disseram, ousaram dizer e repetiram na mídia. Quanta arrogância, quanta insensibilidade desses novos deuses do Olimpo”, ironizou.
O abuso, a overdose, então, seria o cadáver?, perguntou Requião, para em seguida responder: “Não, nem isso. Os infelizes juízes, procuradores, delegados da polícia federal e auditores que assinam a nota não levam em conta a existência de um cadáver porque para eles não há o corpo de Cancellier. Eles anulam a própria morte e só enxergam uma tragédia para exploração política. Não um cadáver, dizem eles. É uma exploração política da universidade e dos democratas de Santa Catarina e do Brasil”.
Para ele, “nem o direito de Cancellier decidir a sua própria morte eles querem conceder. Para eles, a morte nada mais foi do que um pretexto, um meio escolhido pelo ex-reitor para falsear a verdade. Negaram seu direito à vida, negam o seu direito à morte e à reparação da honra pelo próprio sangue”.
O reitor pro-tempore Ubaldo Balthazar levou ao Conselho Universitário da Ufsc a sugestão para que o Centro de Convivência da Ufsc, onde foi realizada a Aula Pública, seja denominado Luiz Carlos Cancellier de Olivo.
Confira a íntegra da aula pública “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo”, ministrada na tarde do dia 27 de novembro de 2017, no auditório do Centro de Cultura e Eventos da UFSC.
Documentário “Em Nome da Inocência: Justiça!”, com direção e roteiro de Sérgio Giron e Edike Carneiro.